sábado, 3 de dezembro de 2011

Caso Marcelinho Paraíba e o Crime de estupro após o advento da Lei nº 12.015/09

Por Auriney Uchôa de Brito

No dia 30 de novembro de 2011, foi noticiada a prisão do jogador de futebol Marcelinho Paraíba sob a acusação de ter tentado estuprar uma mulher de identidade ainda não revelada. A suposta vítima, em depoimento, informou que o jogador a teria constrangido à beijá-lo, puxando-a pelos cabelos. Por meio de exame de corpo de delito, foram registradas lesões leves nos seus lábios.

O jogador foi preso em flagrante e encaminhado à autoridade policial local que o indiciou pelo delito de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal, na modalidade tentada, mandando-o para o presídio do município de Campina Grande-PB.

O juiz que recebeu o flagrante analisou a possibilidade de manutenção da prisão e considerou que não havia motivos para tanto rigor e o liberou após 5 horas de cárcere.

A informação que gerou todo o espanto da sociedade foi a de se considerar que um beijo possa ser estupro. Assim, Comete estupro quem beija uma mulher a força?

Antes de se sopesar esse questionamento, é importante que sejam lembradas as alterações advindas com a Lei nº 12.015/09. O art. 213 do CP passou a conter também as elementares do delito de atentado violento ao pudor, que figurava no extinto art. 214, vigorando a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Conjução carnal possui um significado teórico e prático muito fácil de ser identificado, o que não se pode dizer do denominado ato libidinoso. Este integra os chamados conceitos jurídicos indeterminados, a ser medido de acordo com a moralidade sexual razoável da sociedade. Abrange uma série de atos que variam entre os de maior gravidade, como o coito anal, até os de menor gravidade, como os chamados beijos lascivos. Nesta segunda hipótese, imprescindível que se confira ao caso concreto a devida dimensão, para que um ato perpetrado sem o menor interesse sexual já se enquadre nesse tipo. Importante que sempre se prestigiem os preceitos de proporcionalidade e razoabilidade.

Esclarece-se que O crime de estupro, com a reforma já mencionada, deixou de ser um crime contra os costumes para ser uma ofensa ao bem jurídico dignidade sexual, não só da mulher, mas de qualquer pessoa, por isso a expressão mulher foi substituída por alguém.

Para ser crime, portanto, o beijo lascivo deve ofender a dignidade sexual da pessoa. Se ofender, nem se trata de tentativa, mas sim de estupro consumado.

A conduta deve ser avaliada dentro do grau de lesividade necessária para se fazer a adequação típica material, além de ser indispensável a verificação do dolo na ação.

Os beijos lascivos até podem, numa situação extrema, preencher a elementar ato libidinoso previsto no crime de estupro quando, por exemplo, executado numa parte pudente da vítima, desde que sejam verificados o dolo e a lesividade da conduta em face à sua dignidade sexual.

Condutas como os beijos forçados em festas, micaretas, assim como as apalpadas, nessas mesmas circunstâncias, não podem ser considerados lesivos ao bem jurídico em questão. Podem, ao máximo, considerando o descontrole do autor, ser visto como um ato preparatório do crime em estudo, mas não uma tentativa, e muito menos uma consumação.

Com essas informações já é possível analisar o caso do jogador Marcelinho Paraíba e não é difícil perceber a arbitrariedade cometida pelas autoridades envolvidas no caso, ressalvada, evidentemente, a do juiz que, independentemente dos argumentos, ordenou a imediata liberação do mesmo.

Aqui serão apontadas as falhas jurídicas em caráter eminentemente técnico, deixando de lado todos os argumentos de corporativismo apontados para o caso, uma vez que o irmão da vítima também era delegado, ou de que o jogador foi vítima de extorsão.

Primeiramente, diante da exposição acerca das circunstâncias do crime, não há como se cogitar a tipificação dessa conduta no art. 213 do CP, por absoluta falta de proporcionalidade entre o fato e a pena prevista. Como já dito, um beijo, para ser considerado ato libidinoso forçado, ele precisa ter a sexualidade, gravidade e o dolo como características que lhe dão idoneidade para ofender o bem jurídico.

A conduta em análise poderia, ao máximo, ser tipificada como crime de constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do CP, com pena de detenção de 03 meses a 1 ano ou multa, somada a pena da lesão corporal culposa pelos ferimentos nos lábios, que é de detenção de 2 meses a 1 ano. Se não, simplesmente restaria a sanção, menos agressiva, da esfera cível pelo constrangimento sofrido.

A outra falha identificada no caso foi a de o delegado ter indiciado o acusado pelo crime em sua forma tentada. Ora, se o beijo foi realizado de forma forçada e foi considerado como ato libidinoso, então o delito está consumado e não tentado, pois todos os elementos da definição legal do crime estão presentes.

O crime de estupro, portanto, não exige mais aquela violência da penetração forçada como eram anos atrás, é possível que se consume com um contato diverso, mas não qualquer um, ou um simples contato, assim como não basta que seja forçado. É preciso que seja forçado e dimensionado de acordo com a moralidade média da nossa sociedade, sendo imprescindível, nesse sentido, que se verifique a sexualidade e o dolo na ofensa da dignidade sexual, sob pena de se punir de forma desproporcional e gerar uma insegurança reversa na população, maior que a da impunidade.


domingo, 23 de outubro de 2011

Os perigos da Internet para Crianças e Adolescentes

É uníssona a ideia de que a modernidade, junto com os benefícios tecnológicos, econômicos e sociais, trouxe uma série de novos riscos que incrementaram a maioria dos contatos sociais. A rede mundial de computadores, por sua vez, como ferramenta que revolucionou os meios de comunicação, foi a responsável pela integração mundial desses contatos, distribuindo, consequentemente, os riscos decorrentes do seu uso para todos os espaços do universo que estejam conectados.

A busca intensa por inclusão digital, em geral mal educada; a substituição de contatos físicos por relacionamentos via internet; a expansão do comércio eletrônico; e o constante aumento das transações bancárias e financeiras pelo computador, são as principais características identificadas na sociedade atual como incrementadoras dos riscos relacionados à delinquência informática, fatores que sugerem uma maior preocupação com a temática.

Neste breve ensaio, será demonstrado ao leitor da Revista Prime a relevância penal das principais condutas praticadas pela internet que atentam contra bens jurídicos de crianças e adolescentes.

Em primeiro lugar está a polularmente conthecida prática da “pedofilia” na internet. Essa expressão propagou-se nacionalmente com significado diverso do real. “Pedofilia” não é crime, é uma doença classificada no CID 10: F65.4. Crime é a criação e divulgação de material pornografico infantil cuja pena pode chegar a 06 (seis) anos de reclusão. (Art. 241-A da Lei 8069/90)

Em segundo está a preocupante prática do Cyberbullying. Inicialmente surgiu o bullying como o uma forma de violência, física ou mental, que geralmente ocorria na escola, entre crianças e adolescentes, caracterizado por ações agressivas e repetitivas com a finalidade de causar sofrimento físico ou psíquico contra a pessoa, ou com o objetivo de excluí-la de um determinado grupo.

Com a popularização do uso da internet pelo público infanto-juvenil, verificou-se que o bullying havia ganhado novos meios de execução muito mais expansivos e perigosos, como os insultos em salas de chat, mensagens instantâneas, telefones celulares, a criação de comunidades no orkut, facebook, ou similares para desqualificar a pessoa, publicação de imagens em blogs etc, condutas que passaram a ser chamadas de Cyberbullying.

Já são conhecidos diversos casos de suicídio de jovens que foram vítimas do cyberbullying que, não suportando o sofrimento psicológico causado pelos agressores, tiraram a própria vida, como foi o caso divulgado no Jornal Americano The New York Times de 16.12.2007, onde uma jovem de 13 anos enforcou-se com um cinto após uma série de atos atentatórios à sua honra que foram publicados no site de comunicação chamado my space.

As Crianças e Adolescentes devem estar preparados para essa situação e saber que ela pode ser impedida, suspensa e revertida. Os responsáveis poderão ser identificados e punidos, mas para isso a vítima deve manter o controle e preservar as provas da agressão, seja salvando imagens no computador, ou imprimindo as páginas da internet que demonstrem o conteúdo ofensivo.

Em terceito está o Stalking que é a denominação americana atribuída às práticas reiteradas de invasão da esfera de privacidade de uma pessoa por outra que, por qualquer motivo, deseja chamar sua atenção, acabando por causar sérios danos à saúde mental da vítima. Geralmente envolve assédio ou comportamento ameaçador de um indivíduo que se engaja em várias vezes, como na insistência de uma pessoa que aparece na casa de uma vítima ou no seu local de trabalho, fazendo telefonemas de assédio, deixando mensagens escritas ou objetos, ou vandalizando sua propriedade.

Os motivos que levam a essa prática podem ser, dentre outros, o amor, o ódio ou a vingança. O envio de cartas, encontros não programados, envio de presentes, ligações telefônicas eram os principais meios de execução dessa modalidade de perseguição.

Acontece que, a exemplo do que ocorreu com o bullyng, o stalking ganhou uma ferramenta que facilitou o serviço do perseguidor, e potencializou os danos causados às vítimas. Emails, scraps, tweets, são todos exemplos de novos meios de execução proporcionados pelo uso da internet, passando com isso a denominar-se Cyberstalking.

Por ultimo, mas não menos preocupante, o Sexting surge como a denominação atribuída à prática de transferir arquivos de conteúdos pornográficos, através das tecnologias da informação e dos telefones celulares. O envio de mensagens de textos (SMS) é conhecido como texting, mas, juntando essa expressão com o conteúdo pornográfico (Sex), resultou na expressão sexting.

O bluetooth, infravermelho e as mensagens multimídias, são exemplos das tecnologias dos telemóveis que são utilizadas para transferir vídeos e imagens pornográficas.

O mais comum entre os adolescentes é que eles mesmo tomem a iniciativa de produzir a imagem ou vídeo do seu próprio corpo, e iniciem a divulgação. Acontece também, de filmarem, ou fotografarem os momentos íntimos com seus parceiros, muitas vezes, com consentimento de ambos, para depois mostrar para os colegas que já possuem uma vida sexual ativa.

O que começa como uma forma de alcançar popularidade entre os colegas, pode tomar proporções trágicas. Os casos mais comuns de tragédias ocorrem quando, após o término de um relacionamento, por motivos diversos, a parte que fica como as imagens resolve divulgá-las indiscriminadamente, como já aconteceu com algumas famosas.

Com relação à vítimas crianças e adolescentes, a estatística dessas práticas só tem aumentado e muito disso se deve a despreocupação dos pais no momento da inclusão digital dos filhos. Como já foi dito, a internet tem as suas vantagens, mas é preciso cautela no uso dessa moderna e ilimitada ferramenta. Navegar é preciso, mas nessa viagem os menores devem estar devidamente acompanhados e orientados sobre os riscos da navegação.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Resultado da Enquete: Evento sobre Operações da Polícia Federal

Como Resultado da enquete do nosso blog, hoje às 19h, no Salão de Atos da Faculdade Seama, Ocorrerá o I Encontro do Ciclo de Debates Jurídicos 2011 com o tema "Operações da Polícia Federal". O evento será dividido em 03 palestras e depois debate sobre os temas com resposta às perguntas dos participantes. Os palestrantes confirmados são: 1) Procurador da República Celso Leal, que atuou na Operação Voucher e outras. 2) Juiz Federal Mauro Henrique, que atuou na op. Voucher e outras. 3) Advogado Auriney Brito, que já atuou em diversas operações da polícia federal. Dentre os temas, os palestrantes abordarão questões relacionadas à interceptação telefônica, busca e apreensão, condução coercitiva, prisão e habeas corpus.
Agradecemos a participação de todos que votaram na enquete. Logo iniciaremos uma nova enquete para definir o tema do próximo evento.
Local: Salão de Atos da Faculdade Seama
Horário: 19h
Carga Horária: 12h/a
Organização: Auriney Brito
Marceano Lobato Sucupira

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Princípio da insignificância: STF concede quase 1/3 dos HCs. Juízes ainda condenam por um pote de manteiga

Por Luiz Flávio Gomes

Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância: STF concede quase 1/3 dos HCs. Juízes ainda condenam por um pote de manteiga… Disponível em http://www.lfg.com.br - 11 de março de 2011.

Notícia divulgada pelo STF no dia 07.03.2011 diz o seguinte: dos 340 Habeas Corpus autuados no Supremo Tribunal Federal (STF) entre 2008 e 2010 pleiteando a aplicação do princípio da insignificância (ou bagatela), 91 foram concedidos, número que equivale a 26,76% do total. Quase um terço do total.

Em 2008, chegaram ao STF 99 processos do tipo, sendo que 31 foram acolhidos. Em 2009, dos 118 habeas corpus impetrados na Corte sobre o tema, 45 foram concedidos. Já em 2010, o STF recebeu 123 HCs sobre princípio da insignificância, acolhendo somente 15 desses pedidos.

Em 2008 foram indeferidos ou arquivados 14 Habeas Corpus pedindo a aplicação do princípio. Em 2009, 26 processos do tipo foram negados ou arquivados. Em 2010, esse total subiu para 76.

Nossos comentários:

Ainda é preciso chegar ao STF (nossa quarta instância, em termos de HC), muitas vezes, para ver aplicado o princípio da insignificância (que tratamos em livro específico, RT). Isso significa que o réu deve passar por três instâncias anteriores: primeira, segunda e STJ. Ufa! Que dificuldade!

O que a estatística do STF revela? Revela o seguinte: é incrível o teor de violência que ainda está presente na caneta dos juízes brasileiros. Há exceções, claro! Que só comprovam a regra geral (de autoritarismo e violência contra os marginalizados étnica, social e economicamente).

Prossegue a notícia do STF: Princípio da insignificância é aplicado a furto de objetos de pouco valor

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu na primeira sessão de 2011 a análise de quatro Habeas Corpus pedindo a aplicação do princípio da insignificância (ou bagatela). Três deles foram concedidos, resultando na extinção de ações penais.

Processos envolvendo o princípio da insignificância têm-se tornado cada vez mais corriqueiros no STF. Uma dessas ações julgada pela Turma apurava a tentativa de furto de dez brocas, dois cadeados, duas cuecas, três sungas e seis bermudas de um hipermercado em Natal, no Rio Grande do Norte.

Ao conceder o pedido de Habeas Corpus para anular a ação penal, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, ressaltou que o princípio da insignificância se firmou “como importante instrumento de aprimoramento do Direito Penal, sendo paulatinamente reconhecido pela jurisprudência dos tribunais superiores, em especial pelo Supremo Tribunal Federal”, após passar por um “longo processo de formação, marcado por decisões casuais e excepcionais”.

Segundo ele, “não é razoável que o direito penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e do Estado-Juiz movimentem-se no sentido de atribuir relevância típica a um furto de pequena monta”.

A outra ação penal trancada por decisão da 2ª Turma do Supremo tratava do furto de uma bicicleta no valor de R$ 120,00, que acabou sendo devolvida ao proprietário. O caso, que ocorreu no Rio Grande do Sul, foi debatido em um Habeas Corpus que também era de relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Em seu voto, ele afirma que “a despeito de restar patente a existência da tipicidade formal (perfeita adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal) — não incide no caso a tipicidade material, que se traduz na lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado, sendo atípica a conduta imputada ao (réu)”.

Nossos comentários:

No nosso livro sobre o tema (RT) procuramos realçar bem a diferença entre tipicidade formal e tipicidade material. A tipicidade formal exige a realização literal (gramatical) do fato típico descrito na lei. Todo fato insignificante é, desde logo, formalmente típico. Do contrário, nem sequer se coloca a questão da insignificância, que tem tudo a ver com o grau de ofensa ao bem jurídico. Quando essa ofensa é ínfima, nímia, não se justifica a intervenção do direito penal. Essas lesões ínfimas não fazem parte do âmbito do proibido. Nem tudo que formalmente é típico resulta materialmente típico. Na avaliação do que é materialmente típico (penalmente relevante) entra uma boa dose de sensibilidade e razoabilidade do juiz. A dificuldade de aplicação do princípio da insignificância reside justamente nisso: ele não está previsto expressamente na lei. Tudo depende de uma valoração do juiz. Assim como as regras de imputação objetiva de Roxin. Muitos juízes não possuem a mínima ideia do que é isso. E tudo que ignoramos tendemos a rejeitar. Tudo fica mais simplificado. Banir nossa ignorância, em tudo da nossa vida, significa estudar, aprender, saber. Isso custa tempo e esforço. A lei do menor esforço nos leva sempre a preferir o comodismo, o imobilismo.

Novamente, o ministro Gilmar Mendes ressalta que, “quando as condições que circundam o delito dão conta da sua singeleza, miudeza e não habitualidade”, não é razoável que o Direito Penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e do Estado-Juiz sejam provocados.

O terceiro caso de aplicação do princípio da insignificância pela 2ª Turma do Supremo anulou uma ação penal aberta para investigar o não recolhimento de tributos em importação de mercadorias no valor de R$ 1.645,28. O debate ocorreu na análise de Habeas Corpus de relatoria do ministro Joaquim Barbosa, que aplicou precedentes da Corte sobre a matéria.

Não se pode esquecer que a jurisprudência do STF se firmou no sentido de que nos crimes tributários e previdenciários o valor da insignificância hoje reside no patamar de R$ 10.000,00.

Conceito

O princípio da insignificância é um preceito que reúne quatro condições essenciais para ser aplicado: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada.

Em resumo, o conceito do princípio da insignificância é o de que a conduta praticada pelo agente atinge de forma tão ínfima o valor tutelado pela norma que não se justifica a repressão. Juridicamente, isso significa que não houve crime algum.

Do ponto de vista formal, sim, houve uma conduta típica. O que se afasta na insignificância é a tipicidade material.

Em maio de 2009, isso foi ressaltado em julgamento realizado pela Segunda Turma do Supremo. Os ministros aplicaram o princípio da insignificância a uma tentativa de furto de cinco barras de chocolate em um supermercado.

Nesse caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) limitou-se a extinguir a punibilidade do acusado. Mas a Turma, seguindo voto do relator do processo, ministro Celso de Mello, reformou a decisão para absolver o réu e extinguir a ação penal porque, segundo ele, a conduta sequer poderia ser considerada crime.

É que a extinção da punibilidade por si só não exclui os efeitos processuais. Ou seja, a tentativa de furto ficaria registrada e poderia pesar contra o acusado no futuro, na qualidade de maus antecedentes. Ao ser absolvido, o acusado é considerado primário caso se torne réu em outra ação.

Caso a caso

A jurisprudência do Supremo determina que a aplicação do princípio da insignificância deve ser criteriosa e feita caso a caso. A Primeira Turma, por exemplo, já reconheceu que o preceito pode ser aplicado a atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A reincidência, entretanto, inviabiliza a aplicação do princípio. Em outubro de 2009, a Primeira Turma negou pedido de Habeas Corpus em favor de um adolescente acusado de roubar uma ovelha em Santiago, no Rio Grande do Sul. A decisão foi tomada com base em informações do Tribunal de Justiça gaúcho segundo as quais o jovem já havia se envolvido em outros atos infracionais tendo, inclusive, sofrido medidas socioeducativas.

Os ministros também levaram em consideração o caráter educativo da reprimenda, que determinou a inclusão do adolescente em um programa de combate à dependência química. Segundo dados do processo, a mãe do jovem declarou a autoridades locais que seu filho estava se envolvendo com criminosos e vendendo objetos de sua casa para comprar drogas.

A Primeira Turma do STF também analisou pedidos de aplicação do princípio da insignificância logo nas primeiras sessões deste ano. Um dos Habeas Corpus beneficiaria dois condenados pelo furto de bicicleta avaliada em cerca de R$ 100,00.

O pedido não foi concedido porque a vítima do crime era pobre, o que, para os ministros, torna o valor do bem significativo. Com isso, continua valendo a pena de dois anos reclusão e pagamento de multa imposta aos acusados, que foi substituída por outra restritiva de direitos.

Também não é considerado insignificante pelo Supremo a posse, por militar, de pequena quantidade de entorpecente em estabelecimento castrense. No dia 21 de outubro de 2010, por 6 votos a 4, a Corte firmou o precedente de que o princípio da insignificância não pode ser utilizado para beneficiar militares flagrados com reduzida quantidade de droga em ambiente militar. “O uso de drogas e o dever militar são como água e óleo, não se misturam”, sintetizou o ministro Ayres Britto, relator do Habeas Corpus analisado na ocasião.

Discordamos desse entendimento. Tudo depende do caso concreto. Os valores militares (hierarquia, obediência etc.) não são suficientes para justificar, de plano, a incidência do princípio da insignificância. Há acórdãos do Min. Celso de Mello nesse sentido.

O caso era de um militar surpreendido com pequena quantidade de maconha durante expediente no Hospital Geral de Brasília (HGB), estabelecimento castrense. Pela conduta, o militar foi enquadrado no artigo 290 do Código Penal Militar e condenado a um ano de reclusão.

Em abril de 2009, a Segunda Turma do STF negou a aplicação do princípio da insignificância a dois casos que envolviam condenação por furto e roubo de quantidade ínfima de dinheiro. Um por causa da relevância, para a vítima, da lesão jurídica provocada. A circunstância era de furto de toda renda obtida em um dia de trabalho pela dona de um trailer de lanche no Rio de Janeiro. O outro caso envolveu roubo com uso de arma de fogo e violência.

Novos casos

Logo no início deste ano chegaram ao STF novos Habeas Corpus pedindo a aplicação do princípio da insignificância. Entre os pedidos, há um em favor de acusado de roubar uma bicicleta no valor de R$ 150,00 na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. O roubo ocorreu em 2009.

A bicicleta chegou a ser devolvida ao dono e o acusado foi absolvido em primeira instância e pelo Tribunal de Justiça do estado. Mas a ação penal voltou a tramitar por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acolheu recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Agora a defesa recorre ao Supremo.

Outro habeas corpus pede a absolvição de pessoa condenada por colocar em circulação duas cédulas falsas de R$ 50,00. A condenação foi determinada pela 2ª Vara Federal do Rio Grande do Norte e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com sede em Recife (PE).

Um terceiro pedido foi feito em defesa de acusado pela tentativa de furto de esquadrias de alumínio de um prédio desativado do Tribunal Regional do Trabalho em Itabuna, na Bahia. A defesa pede o trancamento da ação penal sob o argumento de que o acusado obteria um valor ínfimo com a venda das esquadrias, abaixo de R$ 50,00.

É fundamental, para a consolidação definitiva do princípio da insignificância, a atuação dos advogados e defensores. Claro que, em tese, também o Ministério Público pode fazer a postulação (em habeas corpus em favor do réu). Mas isso é raro. Deixando a raridade de lado, vamos para a regra geral: são os advogados e defensores públicos os grandes responsáveis pela mudança e/ou consolidação da jurisprudência. No âmbito penal, gostaria de sinalizar duas áreas em que isso ainda deve acontecer com bastante intensidade: imputação objetiva de Roxin e direito internacional. São duas áreas praticamente virgens em termos de jurisprudência. E por que a jurisprudência é parcimoniosa aqui: porque os advogados estão invocando pouco (ou nada) essas teses nos seus arrazoados. A atualização permanente dos advogados é a grande responsável pelas mudanças do direto. Cuida-se de um papel não só jurídico, como, sobretudo, social. O direito não pode ficar imobilizado. Quando a ciência evolui (esse é o caso da teoria da imputação objetiva) ou quando a jurisprudência internacional avança (veja no nosso blog as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos), os primeiros a invocar tudo isso nas petições devem ser os advogados e defensores.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Prisão preventiva: nova lei e falta de fundamentação

Ao aplicar a nova redação do art. 313, I ,do CPP [“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos”], alterado pela Lei 12.403/2011, a 2ª Turma concedeu habeas corpus para cassar o decreto de prisão preventiva exarado em desfavor dos pacientes. Na espécie, eles foram acusados pela suposta prática dos delitos de resistência (CP, art. 329) e de desacato (CP, art. 331), ambos com pena máxima abstratamente cominada de 2 anos de detenção. Apontou-se que, com as inovações trazidas pela referida lei — a qual dispõe sobre matérias pertinentes à prisão processual, fiança, liberdade provisória, e demais medidas cautelares — a segregação, no caso, seria imprópria. Ademais, entendeu-se que o magistrado não reunira dados concretos hábeis a justificar a necessidade da constrição cautelar como meio necessário e inafastável para se resguardar a aplicação da lei penal. Ao contrário, assinalou-se que fora utilizado formulário padrão, previamente elaborado, o que evidenciaria, de forma flagrante, a ausência de individualização dos decretos prisionais.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Envio de artigos para o XX Congresso Nacional do CONPEDI

Prezados,

Entre os dias 08 de agosto a 03 de outubro de 2011 está aberto o prazo de envio de artigos para o XX Congresso Nacional do CONPEDI, que se realizará nos dias 16, 17, 18 e 19 de novembro de 2011 na cidade de Vitória – ES na Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

As regras de envio de artigo são as mesmas adotadas nos eventos anteriores e o recebimento será realizado pelo sistema PublicaDireito.

Todas as informações estão disponíveis no site do evento.

Não há previsão de prorrogação do prazo, assim, pedimos especial atenção ao período de submissão de artigos.

Grupos de Trabalhos proposto pelo CONPEDI/UFES: (Clique aqui para acesso as ementas)
1. ACESSO A JUSTIÇA
2. BIODIREITO
3. CULTURA JURIDICA E PRÁTICA JUDICIÁRIA
4. DIREITO AMBIENTAL
5. DIREITO DE FAMÍLIA
6. DIREITO DO TRABALHO
7. DIREITO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
8. DIREITO E ECONOMIA
9. DIREITO E NOVAS TECNOLOGIAS
10. DIREITO E SUSTENTABILIDADE
11. DIREITO ELEITORAL*
12. DIREITO EMPRESARIAL
13. DIREITO INTERNACIONAL
14. DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
15. DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA
16. DIREITO PROCESSUAL CIVIL: PASSADO, REFORMAS E CONTEMPORANEIDADE*
17. DIREITO TRIBUTÁRIO
18. DIREITO, ARTE E LITERATURA
19. DIREITO, EDUCAÇÃO, ENSINO E METODOLOGIA JURÍDICOS
20. DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA
21. DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
22. FILOSOFIA DO DIREITO
23. HERMENÊUTICA
24. HISTÓRIA DO DIREITO
25. JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: VERDADE, MEMÓRIA E JUSTIÇA
26. JUSTIÇA TRANSNACIONAL*
27. MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
28. NOVOS DIREITOS
29. PROCESSO E JURISDIÇÃO
30. PROPRIEDADE INTELECTUAL
31. RELAÇÕES PRIVADAS E DEMOCRACIA
32. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA JURÍDICA
*GT`s indicados pelo programa de pós-graduação da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

A equipe organizadora do XX Congresso Nacional do CONPEDI agradece sua contribuição e lhe deseja boa sorte!!!
http://www.conpedi.org.br/
secretaria@conpedi.org.br

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Cutucar ou enviar solicitações de amizade no facebook podem acabar em prisão

Nos Estados Unidos pessoas foram presas por “cutucar” ou “enviar solicitação de amizade” no FACEBOOK. Os fatos ocorreram porque elas estavam proibidas pela justiça de manter qualquer espécie de contato com o companheiro, algo semelhante às nossas medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha.

O primeiro caso foi o da americana Shannon Jackson, que deu uma “cutucada” no ex-marido através do facebook e acabou presa por 11 meses e 29 dias.

O segundo caso foi o do inglês Dylan Osborn que foi preso por ter cometido um erro muito comum. Ao criar a conta no facebook, o aplicativo faz recomendações de pessoas que o usuário conhece e se utiliza também da sua lista de emails para recomendar mais amigos. Para facilitar sua vida, foi o que ele fez, mandou convite para todos da sua lista de emails. O problema foi que dentre os contatos estava a sua ex-mulher e acabou preso por 7 dias por ter descumprido a decisão judicial de afastamento total e proibição de qualquer espécie de contato.

Essas situações podem facilmente ocorrer no Brasil. É crescente o número de usuários brasileiros no facebook e demais redes sociais, além de que o descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha pode gerar prisão preventiva.

Portanto, cuidado com que vc anda cutucando por aí. #FicaaDica.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Fiança na Operação Voucher da polícia Federal


Muita coisa aconteceu na Operação Voucher da Polícia Federal e graças à uma atuação perfeita da equipe de Advogados do Escritório Brito & Santos advogados em Macapá e Brasília, todos os presos foram liberados com liminar em Habeas Corpus.
As arbitrariedades foram muitas, e muitas delas só serão aguidas no momento oportuno de uma eventual ação penal. A grande novidade da Operação foi o arbitramento de Fiança para a liberação de alguns presos.
A fiança era um instituto que cabia quando ocorria prisão em flagrante. Se essa prisão fosse ilegal, cabia relaxamento. Se ela fosse legal, cabia liberdade provisória com ou sem fiança caso não estivessem presentes os requisitos da prisão preventiva (Art. 312). No caso da Prisão preventiva, verificava-se se estavam presentes os requisitos...se estivessem, a prisão era mantida, se não estivessem, a prisão deveria ser imediatamente revogada sem qualquer condição.
Hoje, após o advento da Lei 12.403/11, é possível arbitrar a fiança mesmo nos casos de prisão preventiva, informação que intrigou muitos advogados e partes no processo da Operação Voucher. Seria justo aplicar uma exorbitante fiança para liberar alguém que foi preventivamente preso por força de uma decisão desprovida de qualquer fundamentação?? Ao inovar dessa forma com um instituto que estava praticamente morto no direito, o legislador, talvez, não tenha pensado nas consequências da mudança. A fiança deve permaner como uma medida alternativa à prisão e não como uma antecipação de tutela penal. O magistrado, diante da nova lei, ao nosso ver, deve fundamentar uma decisão em habeas corpus da seguinte forma: Se a decisão que mandou prender preventivamente está frágil e sem fundamentação razoável, deve-se por imperativo constitucional, revogar essa prisão. Porém se estiverem demonstrados os requisitos do 312, o magistrado deve reconhecer essa existência, demonstrar que poderia julgar pela manutenção da prisão, mas dar como ALTERNATIVA, o pagamento de uma fiança razoável.
Posto isto, uma decisão que julga a liminar de um habeas corpus sem pontuar os fundamentos da prisão, partindo direto para o arbitramento de uma fiança, é merecedora de revisão por um tribunal superior. Principalmente se o valor da fiança exceder o razoável e prejudicar a devolução da liberdade do acusado. Foi o que aconteceu na Operação Voucher e certamente será questionada.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

PGR diz que exame da OAB fere a Constituição Federal

O subprocurador-geral da República Rodrigo Janot afirmou, em parecer divulgado nesta quinta-feira (21), que o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) viola o princípio constitucional do direito ao trabalho e à liberdade de exercer uma profissão.

A prova aplicada pela entidade é condição para que o bacharel em direito se torne advogado e atue na profissão. O G1 procurou o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcanti, que está em recesso e não foi localizado. A reportagem também não conseguiu contato com o presidente interino.

“Não contém a Constituição mandamento explícito ou implícito de que uma profissão liberal, exercida em caráter privado, por mais relevante que seja, esteja sujeita a regime de ingresso por qualquer espécie de concurso público”, afirmou Janot no parecer.

A análise foi feita pelo subprocurador ao examinar o recurso ajuizado pelo bacharel em Direito João Antonio Volante, no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele contesta a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que julgou legítima a aplicação da prova pela OAB. O caso será analisado pelo relator no STF, ministro Marco Aurélio Mello.

Para o representante do MPF, o exame da Ordem não garante que será feita a “seleção dos melhores advogados” e pode até ser entendido como reserva de mercado.

“O exame de ordem, visto sob esse ângulo, nada mais é do que um teste de qualificação profissional para o exercício da advocacia daqueles que já possuem um diploma atestando esta mesma qualificação”.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Progressão de Regime para Crimes Hediondos

Uma das questões da prova final de hoje versava sobre a possibilidade de progressão de regime para crimes hediondos...Abaixo segue e resposta e #Ficaadica para galera que vai prestar o Exame da OAB agora.

A progressão de regime é a possibilidade de o condenado passar de um regime mais rigoroso para um menos rigoroso, p. e., do fechado para o semi-aberto. Sua fundamentação está nos arts. 33 § 2º do CP e 112 da LEP.
A lei de crimes Hediondos (8072), na sua redação original, vedava no seu Art. 2º a possibilidade de progressão de regime. Os condenados cumpriam a pena em regime INTEGRALMENTE fechado. Posteriormente essa vedação foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento do Habeas Corpus 82959 por violar o princípio da individualização da pena (Art. 5, LXVI da CF/88).
Como essa era a única regulamentação da matéria de forma específica, a progressão de regime para crimes hediondos passou a ser possível de acordo com a regra geral do art. 112 da LEP, ou seja, os requisitos para progredir de regime por crimes hediondos passaram a ser os mesmos exigidos para crimes comuns (bom comportamento + cumprimento de 1/6 da pena).
Depois de muitas progressões assim, ocorreu a moter o menino João Helio no RJ (lembram? aquele que foi arrastado no assalto..). Ai a mídia caiu em cima. Bateu! Bateu! Até que veio um parlamentar que bateu no peito e disse: "o Assassino do joão hélio não pode progredir de regime com um 1/6 da pena, vou mudar isso!".
Para evitar essa situação editaram a lei 11.464/07 que alterou a redação do Art. 2º da lei 8072 para permitir que condenados por crimes hediondos progredissem de regime após o cumprimento de 2/5 da pena se fosse reu primário e 3/5 da pena se fosse reincidente. Ficou mais rigoroso que para os crimes comuns? Claro, mas não poderia ser aplicado para o assassino do João Helio. O Parlamentar esqueceu do princípio da Irretroatividade da Lei penal maléfica.
Mas de qualquer forma ficou valendo para fatos posteriores à sua entrada em vigor. Então ta valendo agora: Cabe sim progressão de regime para condenados por crimes hediondos. 2/5 da pena para primarios e 3/5 para reincidentes.
Dúvidas?
Sejam Felizes!

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Novas Regras da Remição de Pena

Hoje entrou em vigor a Lei 12.433/11 que alterou as regras da remição de parcela do tempo de execução da pena em razão do estudo e do trabalho.

A Lei amplia e legitima um direito já conferido pela Justiça: por meio da súmula 341, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já havia definido que o ensino formal é, tal qual o trabalho, causa de remição de parte do tempo da pena. Porém, como não estava previsto em lei, a remição da pena pelo tempo de estudo dependia da avaliação dos juízes das varas de execuções penais, gerando recursos para apreciação do STJ.
De acordo com o texto aprovado, presos em regime fechado ou semiaberto poderão remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

PELO ESTUDO: 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;

PELO TRABALHO: permanece a regra de um dia de pela a cada 3 dias de trabalho;

Obs: O Estudo pode ser realizado nas modalidades presencial e ensino à distância, devendo ser certificado pela autoridade educacional responsável pelo curso.

A primeira grande novidade é a possibilidade de remição de pena para condenados que cumprem a pena em regime ABERTO. O § 6 do Art. 126 da LEP passa a ter a seguinte redação:
O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.

E a segunda grande novidade é a referente à perda dos dias remidos em razão do cometimento de falta grave. O Supremo Tribunal Federal já havia confirmado o entendimento de a regra prevista na antiga redação do Art. 127 da LEP era absolutamente constitucional (Súmula vinculante n. 9), ou seja, não importava o quanto de pena o preso já havia remido pelo trabalho e pelo estudo, ele perdia tudo se cometesse uma falta grave.
Felizmente, a nova redação dada pela lei 12.433/11 limitou essa revogação pelo cometimento de falta grave. Agora, O condenado poderá perder até um 1/3 da pena remida, mas não o total.

Para a vice-presidente da Secretaria de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juíza Renata Gil, o projeto é “a primeira medida do Estado para incentivar a educação do preso”. A juíza ainda declarou que “o sistema como está não funciona, porque a vida do preso não muda no período em que ele cumpre. Ele sai de lá com os mesmos problemas sociais que tinha quando entrou”.

Dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) revelam que, de todos os regimes, pouco mais de 40 mil condenados são estudantes, número que corresponde a apenas 8% da população carcerária. O nível de escolaridade da maioria dos presos é baixo, cerca de 66% deles não possuem o ensino fundamental completo.

A iniciativa é louvável e tem potencial para melhorar as condições de reinserção dos presos no mercado de trabalho após o cumprimento da pena, uma vez que a falta de capacitação e a baixa escolaridade são empecilhos significativos para admissão de ex-detentos. De acordo com informações fornecidas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), apenas 15% das vagas oferecidas pelo Programa Começar de Novo foram preenchidas.

Sejam Felizes!



quinta-feira, 2 de junho de 2011

Medida de segurança e hospital psiquiátrico - INFORMATIVO 628 STF

Medida de segurança e hospital psiquiátrico

A 1ª Turma deferiu parcialmente habeas corpus em favor de denunciado por homicídio qualificado, perpetrado contra o seu próprio pai em 1985. No caso, após a realização de incidente de insanidade mental, constatara-se que o paciente sofria de esquizofrenia paranóide, o que o impedira de entender o caráter ilícito de sua conduta, motivo pelo qual fora internado em manicômio judicial. Inicialmente, afastou-se a alegada prescrição e a conseqüente extinção da punibilidade. Reafirmou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que o prazo máximo de duração de medida de segurança é de 30 anos, nos termos do art. 75 do CP. Ressaltou-se que o referido prazo não fora alcançado por haver interrupção do lapso prescricional em face de sua internação, que perdura há 26 anos. No entanto, com base em posterior laudo que atestara a periculosidade do paciente, agora em grau atenuado, concedeu-se a ordem a fim de determinar sua internação em hospital psiquiátrico próprio para tratamento ambulatorial.
HC 107432/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.5.2011. (HC-107432)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Difamação contra menor no Orkut é crime de competência da Justiça Federal

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a competência para julgamento dos crimes de difamação contra menores por meio do site de relacionamento Orkut é da Justiça Federal. Os ministros da Terceira Seção consideraram que esse tipo de crime fere direitos assegurados em convenção internacional e que os conteúdos publicados no site podem ser acessados de qualquer país, cumprindo o requisito da transnacionalidade exigido para atrair a competência do Juízo Federal.

Uma adolescente teve seu perfil no Orkut adulterado e apresentado como se ela fosse garota de programa, com anúncio de preços e contato. O delito teria sido cometido por meio de um acesso em que houve a troca da senha cadastrada originalmente pela menor. Na tentativa de identificar o autor, agentes do Núcleo de Combate aos Cibercrimes da Polícia Civil do Paraná pediram à Justiça a quebra de sigilo de dados cadastrais do usuário, mas surgiram dúvidas sobre quem teria competência para o caso: se o Primeiro Juizado Especial Criminal de Londrina ou o Juizado Especial Federal de Londrina. O Ministério Público opinou pela competência do Juízo Federal.

O ministro Gilson Dipp, relator do caso, entendeu que a competência é da Justiça Federal, pois o site não tem alcance apenas no território brasileiro: “O Orkut é um sítio de relacionamento internacional, sendo possível que qualquer pessoa dele integrante acesse os dados constantes da página em qualquer local do mundo.” Para o relator, “esta circunstância é suficiente para a caracterização da transnacionalidade necessária à determinação da competência da Justiça Federal”. Gilson Dipp destacou também que o Brasil é signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que determina a proteção da criança em sua honra e reputação.

O relator citou uma decisão anterior da Sexta Turma do STJ, no mesmo sentido. No caso, o entendimento da Corte foi de que “a divulgação de imagens pornográficas envolvendo crianças e adolescentes por meio do Orkut, provavelmente, não se restringiu a uma comunicação eletrônica entre pessoas residentes no Brasil, uma vez que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, poderá acessar a página”. No precedente se afirma que “a competência da Justiça Federal é fixada quando o cometimento do delito por meio eletrônico se refere a infrações estabelecidas em tratados ou convenções internacionais, constatada a internacionalidade do fato praticado”.

O relator observou que essa dimensão internacional precisa ficar demonstrada, pois, segundo entendimento já adotado pelo STJ, o simples fato de o crime ter sido praticado por meio da internet não basta para determinar a competência da Justiça Federal.

Fonte: STJ

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Remição de pena pelo estudo

No dia 23 de março, foi aprovado simbolicamente, pela Câmara dos Deputados, substitutivo ao Projeto de Lei 7824/2010, que modifica a Lei de Execução Penal (LEP, lei 7210/1984), para permitir que presos tenham um dia de pena reduzido a cada 12 horas dedicadas a atividades de ensino. Como o texto foi alterado, o projeto deverá ser submetido à análise do Senado mais uma vez, antes de ser enviado para sanção presidencial.

A proposta amplia e legitima um direito já conferido pela Justiça: por meio de súmula, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já definiu que o ensino formal é, tal qual o trabalho, causa de remição de parte do tempo da pena. Como não está previsto em lei, a remissão da pena pelo tempo de estudo depende da avaliação dos juízes das varas de execuções penais, pendendo os recursos para apreciação do STJ.

De acordo com o novo texto aprovado, do deputado Amauri Teixeira (BA), presos em regime aberto ou semiaberto e os que estão em liberdade condicional poderão estudar em cursos presenciais ou à distância. Condenados que cumprem pena em regime fechado não estão autorizados a deixar o estabelecimento prisional, mas não deixam de ter a oportunidade de diminuir a pena: podem participar de atividades de trabalho e estudo restritas ao presídio, sendo permitido também o ensino à distância, conforme dispõe a emenda feita pelo deputado Fernando Francischini (PR).

O benefício não valerá para apenados por crimes hediondos ou equiparados. A emenda que proíbe a remição de pena por esses presos pelo trabalho ou estudo é do deputado Mandetta (MS). O Supremo Tribunal Federal já considerou matéria semelhante inconstitucional e, provavelmente, se manifestará contrariamente.

As horas de estudo deverão ser distribuídas em, no mínimo, três dias por semana, o que equivale a quatro horas diárias de atividade de ensino, que pode ser nos mais diversos níveis: fundamental, médio, superior, profissionalizante ou de requalificação profissional. Deve haver compatibilidade de horários para os presos que trabalharem e estudarem.

Os presos que forem autorizados a estudar fora da penitenciária deverá comprovar mensalmente aproveitamento e frequência escolar por meio de declaração emitida pela unidade de ensino. Caberá à diretoria do estabelecimento prisional encaminhar todo mês ao juízo de execução penal um registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, bem como dos dias de trabalho ou frequência em atividade de ensino de cada um. A diminuição da pena pelo trabalho ou estudo será declarada pelo juiz de execução penal.

Nos casos em que a remição de pena com o estudo foi permitida, a jurisprudência norteou sua aplicação. Contudo, ainda há divergência quanto à fixação do número de horas de estudo para reduzir um dia de pena. Na tentativa de suprir esta lacuna, o projeto disciplina a questão e também permite a contagem das 12 horas de atividade de ensino e de trabalho para todos os efeitos, como progressão de regime.

Dois pontos do projeto do Senado foram excluídos. Um deles permitia ao preso solicitar bolsa do ProUni (Programa Universidade para Todos) e o outro aumentava em 1/3 o tempo remido no caso de conclusão dos níveis de ensino fundamental, médio ou superior durante o cum-primento da pena.

O deputado Fernando Francischini apresentou a emenda que extinguiu a possibilidade do benefício por bolsa integral do ProUni: "Não tem dinheiro para pagar ProUni para todos e tem coisa no caminho antes (de atender o preso). Temos dificuldade para aumentar as verbas para o ProUni para atender o jovem carente", argumentou. Francischini também lamentou a não aprovação da emenda que exigia o acúmulo de 24 horas de trabalho para diminuir a pena em um dia. "O preso costura bola por duas horas e tem a diminuição de pena. Ele teria de trabalhar oito horas por dia, como qualquer trabalhador faz", afirmou.

Para a vice-presidente da Secretaria de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juíza Renata Gil, o projeto é “a primeira medida do Estado para incentivar a educação do preso”. A juíza ainda declarou que “o sistema como está não funciona, porque a vida do preso não muda no período em que ele cumpre. Ele sai de lá com os mesmos problemas sociais que tinha quando entrou”.

Dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) revelam que, de todos os regimes, pouco mais de 40 mil condenados são estudantes, número que corresponde a apenas 8% da população carcerária. O nível de escolaridade da maioria dos presos é baixo, cerca de 66% deles não possuem o ensino fundamental completo.

O projeto de lei 7824/2010 seria uma forma de incentivá-los a buscar forma de educação, uma vez que poderão ser beneficiados com isso. Marivaldo Pereira, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, ressalta a necessidade de investimentos por parte dos governos: “analisando a situação atual dos presídios, é óbvio que será necessária adaptação para garantir esse direito”.

A iniciativa é louvável e tem potencial para melhorar as condições de reinserção dos presos no mercado de trabalho após o cumprimento da pena, uma vez que a falta de capacitação e a baixa escolaridade são empecilhos significativos para admissão de ex-detentos. De acordo com informações fornecidas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), apenas 15% das vagas oferecidas pelo Programa Começar de Novo foram preenchidas.

domingo, 20 de março de 2011

PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS • GARANTIA PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA

Revista Jurídica Consulex nº 337
Portal Jurídico

POR AURINEY BRITO E ALESSANDRO BRITO

PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS • GARANTIA PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA

As prerrogativas profissionais da advocacia, que são diferentes de privilégios pessoais, representam direitos indispensáveis ao exercício da cidadania, fundada especialmente na garantia indissolúvel da ampla defesa.
A advocacia, por imperativo da Lei nº 8.906/94 e, principalmente, do mandamento emanado do art. 133 da Constituição Federal de 1988, é indispensável à administração da justiça, caracterizando-se pela inviolabilidade do seu exercício, por sua função social e, também, pela independência funcional.
É preciso reconhecer que não há justiça sem a assistência de advogado. Historicamente, essa é a razão pela qual as tiranias sempre cercearam a atividade advocatícia, tendo a Constituição Cidadã de 1988 inaugurado um novo tempo, compreendendo que a democracia precisa de uma advocacia forte para ter uma Justiça atuante.
Em que pese o mandamento constitucional, infelizmente, a inviolabilidade ainda é a prerrogativa mais vilipendiada pelo arbítrio. Os abusos são reiteradamente cometidos por autoridades incapazes de reconhecer que a inviolabilidade da advocacia não é privilégio pessoal, mas garantia que emana do próprio Estado Democrático de Direito. É essa visão míope e curta que não consegue avistar a função social da advocacia, tendo o advogado como depositário das mazelas do mundo, já que é ele quem acompanha o homem com todos os seus conflitos.
Nesse aspecto, é oportuno lembrar a lição de Martinez Val, quando afirmou:
A advocacia é uma profissão tremendamente pública, ante cuja radical publicidade desnuda-se minuto a minuto a intimidade da alma, mais que em qualquer outra.
Lamentável que do Poder Público – aqui representado por seus múltiplos órgãos e autoridades várias – partam, com frequência, os abusos e as coações contra os advogados e que, por conseguinte, ferem a garantia de inviolabilidade da advocacia, seja pelo monitoramento dos parlatórios, seja pelas decisões judiciais que, sem uma causa justa, determinam a expedição de mandados de prisão para simples averiguação ou busca e apreensão em escritórios de advocacia, bem como pela inovadora e autoritária “condução coercitiva para depoimento” de investigados, testemunhas e seus advogados, embora estes últimos encontrem-se tão só no exercício da gloriosa atividade profissional de “defensores das pessoas investigadas” no inquérito policial.
Há muito que se vem alertando para as atitudes com “ar de sensacionalismo”, consubstanciadas em investigações abusivas e condutas ditatoriais, em todo o território nacional. Nada obstante esse alerta, alguns magistrados as têm “avalizado” ao assumirem a persecução penal, exaustiva e cinematograficamente exposta por grupos midiáticos interessados na “formação da verdade”.
Por outro lado, certas autoridades, que deveriam representar a maior frente de contrapoder a um Estado policialesco, tornam-se protagonistas de “novelas com nomes engraçados”, que, em geral, destroem constituições e documentos internacionais no que concerne às liberdades pessoais, inviolabilidades e, em especial, ao direito humano de ser presumido inocente antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória irrecorrível.
O Professor Pontes de Miranda já dizia: “O juiz representa o Estado, o promotor defende a lei e o advogado o povo”. Dessa maneira, o arbítrio contra a inviolabilidade da advocacia, praticado em nome do Estado ou da lei, representa um atentado contra o povo e um retrocesso à democracia brasileira.
No passado, as becas e togas que vestiam os bons homens encobriam as vergonhas cometidas por aqueles que faziam uso inde­vido do poder.
Felizmente, nos tempos modernos, o mau uso do poder está sendo alvo de fiscalização de órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que realizam papel sacrossanto no controle administrativo e disciplinar do Judiciário e do Parquet, contando, para tanto, com a contribuição de advogados que conhecem a fundo a realidade da advocacia e a necessidade da defesa incondicional da inviolabilidade da democracia brasileira.
Nas palavras da eminente Corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Ministra Eliana Calmon: “O bom juiz é um sacrificado; é um profissional que não consegue terminar a sua tarefa, que é inesgotável; é peça indispensável ao funcionamento de qualquer sociedade organizada, principalmente quando desejamos construir um Estado Democrático de Direito. Entretanto, na mesma proporção da importância do bom juiz, o mau juiz, aquele que se vende a interesses pessoais escusos, merece a repulsa de todos e dura punição para que não se esqueça da gravidade do seu ato. Por isso mesmo, defendo a imediata aprovação de uma nova LOMAN, com penas disciplinares atualizadas e severas”.1
A Ministra-Corregedora foi precisa ao afirmar que, em um Estado Democrático de Direito, não tem cabimento a permanência daqueles que se vendem a interesses pes­soais escusos ou aos holofotes, devendo, por isso mesmo, ser neutralizados e severamente repreendidos.
Não se pode negar que a advocacia teve importantes avanços institucionais, graças à luta incansável de eminentes advogados em defesa das prerrogativas do exercício profissional e, consequentemente, da cidadania. Cabe-lhes, agora, transmitir aos sucessores essa autoridade moral, sob pena de se permitir o império das mazelas de um Estado novo, sensacionalista e policialesco.
Como afirmou o eterno Mestre e patrono Rui Barbosa:
Nunca tive tempo de ser artista, e ambicionar entre artistas a admiração. Da pena e da palavra nunca me servi senão como de instrumentos espontâneos do dever e da luta.
Mais uma vez servimo-nos da “pena” para convocar a tropa e relembrar que esse é o espírito da luta dos advogados e da própria Ordem dos Advogados do Brasil em defesa das prerrogativas profissionais, asseguradas pelo Estatuto (EAOB) e pela Constituição de 1988, no Estado Democrático de Direito vigente. A missão é combater desvios e abusos do Poder Público em nome da liberdade. Avante!
NOTAS
1 CALMON, Eliana. Coragem e Competência para Superar Desafios. Revista Jurídica Consulex. Brasília-DF, ano XIV, nº 332, p. 6-8, nov. 2010.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Pagamento do tributo não obsta ação penal

A nova lei do Salário mínimo, lei 12.383/11, a mesma que o aumentou para 545 reais, trouxe uma importante modificação no que concerne à extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo.
Do jeito que estava, os autores de crimes contra a ordem tributária tinham inicialmente duas opções: i) Pagar o débito; ii) ser processado criminalmente. No entanto, uma alternativa surgia: ele poderia optar por ser processado, e se percebesse que a coisa tava ficando feia, pagaria a dívida e acabaria com o processo. O Pagamento da dívida, a qualquer tempo, extinguia a punibilidade do agente de acordo com o Art. 9o, §2 da lei 10.684/03.
O criminoso poderia, também, a qualquer tempo, requerer o parcelamento da dívida. Nesse caso a ação penal seria suspensa. Caso ele cumprisse fielmente com essa obrigação até a última parcela, extinguiria a punibilidade e, consequentemente, a ação penal.
O Direito Penal estava claramente sendo usado como uma ação de cobrança dotada de maior poder coercitivo. O estado dizia "O paga tua conta, ou te prendo". Um total desvirtuamento da missão do direito penal.
Com a alteração promovida pelo Art. 6o da lei 12.383/11, em benefício do agente sonegador só restou o pedido de parcelamento da dívida ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. Se assim o fizer, o direito que o estado tem de puní-lo ficará suspenso até a quitação do débito. Se quitar, extingue a punibilidade. Se não quitar, o juiz recebe a denúncia e toca o processo.
No período que a pretensão punitiva fica suspensa, o prazo prescricional também fica.
A partir de agora, portanto, o agente sonegador deverá decidir rapidamente se quer pagar ou ser processado. Pois, se o Ministério Público ofertar denúncia e o juiz receber, nem parcelamento, nem pagamento terão o condão de obtar o processo.
A estratégia dos advogados, e a atitute de agentes sonegadores deve mudar um pouco agora. Era comum o uso das ferramentas do Refis da crise, regulamentada pela lei 11.941/09, serem usadas após o recebimento da denúncia para obstar ações penais.
Ainda me parece que o Estado quer apenas forçar com sua maior arma de controle social o pagamento de tributos. A mera sonegação, sem fraude nenhuma, não atende os pressupostos de carência de tutela penal e dignidade penal que são exigíveis para se afirmar que um fato é merecedor de pena. Quem pode, paga com dinheiro. Quem não pode, paga com a liberdade. Como disse o Capitão Nascimento, Esse é o sistema.
Escrevi sobre isso no texto "Direito penal tributário e a missão do direito penal no estado democrático de direito" publicado pela RT, quem quiser é só pedir por email.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Íntegra da decisão da Ministra Carmem Lúcia no HC 104467-Manutenção de Casa de Prostituição

1. Habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO em favor de ARIONILDO FELIX DE MENEZES e JANETE DA SILVA, contra julgado da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, em 27.4.2010, negou provimento ao Agravo Regimental no Recurso Especial 1.167.646, Relator o Ministro Haroldo Rodrigues.

2. Tem-se nos autos que, em 9.5.2006, o Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou os Pacientes pela suposta prática do crime de manter casa de prostituição (art. 229 do Código Penal – fls. 10-12).
3. Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs apelação. Em 4.6.2009, a Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento ao recurso para manter a absolvição dos Pacientes, nos termos seguintes:

Em 29.1.2009, o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tramandaí/RS absolveu os Pacientes ao fundamento de que “casa de prostituição é conduta que vem sendo descriminalizada pela jurisprudência em razão da liberação dos costumes, sendo a conduta atípica” (fl. 19).
“APELAÇÃO CRIMINAL. MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. ADEQUAÇÃO SOCIAL DO FATO. ATIPICIDADE. APELO [NÃO]PROVIDO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
À unanimidade, negaram provimento ao apelo ministerial” (fl. 20).

4. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso especial, que, em 11.3.2010, foi provido monocraticamente pelo Ministro Relator do Superior Tribunal de Justiça Haroldo Rodrigues:

“PENAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TOLERÂNCIA OU DESUSO. TIPICIDADE.
1. Esta Corte firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal.
2. Precedentes.
3. Recurso especial provido” (fl. 29).

5. Contra essa decisão a Defensoria Pública da União interpôs agravo regimental, sobrevindo, em 27.4.2010, a decisão objeto da presente impetração, cuja ementa é a seguinte:

“PENAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TOLERÂNCIA OU DESUSO. TIPICIDADE.
1. Esta Corte firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal.
2. Precedentes.
3. Agravo Regimental a que se nega provimento” (fl. 32).

6. No presente habeas corpus, a Impetrante sustenta que, pela aplicação dos princípios da fragmentariedade e da adequação social, a conduta praticada pelos Pacientes não seria materialmente típica.

Alega que, “apesar da norma penal incriminadora prevista no art. 229 do Código Penal estar em plena vigência, é necessário interpretá-la de forma cuidadosa para que possa ter validade e aplicabilidade em relação aos fatos da vida real” (fl. 8).

7. Este o teor dos pedidos:

“1. seja concedida liminarmente medida cautelar, a fim de suspender a decisão do Superior Tribunal de Justiça até decisão final de mérito, informando-se o Juízo de primeira instância;
(...)
5. seja concedida a ordem de habeas corpus, para cassar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, restabelecendo-se a absolvição conferida nas decisões de primeira e segunda instâncias, haja vista a atipicidade da conduta dos assistidos Arionildo Felix de Menezes e Janete da Silva, em face da aplicação dos Princípios da Fragmentariedade e da Adequação Social ao artigo 229 do Código Penal Brasileiro” (fl. 9).

Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO.

8. Pelo que se tem nos autos, parece não se sustentarem juridicamente os argumentos apresentados pela Impetrante para assegurar o êxito do seu pleito, pois não se constatam fundamentos suficientes para reconhecer a atipicidade da conduta dos Pacientes, pelo menos nesse juízo preliminar.

9. Existem precedentes específicos do Supremo Tribunal Federal que reconhecem a tipicidade da conduta de manter casa de prostituição e são desfavoráveis à tese da impetração, bastando para evidenciar a ausência de plausibilidade jurídica da presente ação:

“Ementa: CASA DE PROSTITUIÇÃO (ART. 229 DO C.P.). 'HABEAS CORPUS' PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. INDEFERIMENTO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. RECURSO DE HABEAS CORPUS IMPROVIDO. HAVENDO ELEMENTOS NO INQUERITO, QUE AUTORIZAM A DENUNCIA; EM SE TRATANDO DE CRIME PERMANENTE, QUE EXIGE PROVA DE HABITUALIDADE, A SER COMPLETADA NO CURSO DA INSTRUÇÃO; E NÃO CONTENDO A LICENCA, PARA FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL AUTORIZAÇÃO (ALIAS, INADMISSIVEL) PARA NELE SE INSTALAR CASA DE PROSTITUIÇÃO; NÃO E CASO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, ADEQUADAMENTE PROPOSTA” (RHC 65.391, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 6.11.1987).

Tem-se do conteúdo do voto do Ministro Sydney Sanches, Relator do RHC 65.391:

“Não podem ser colhidas, por último, as considerações no sentido de que, nos tempos atuais, já não se justifica a punição da mantença de casa de prostituição. Ao Ministério Público e ao Juiz competem a interpretação e a aplicação da lei, jamais a negativa de sua vigência. A descriminalização e tarefa do legislador e não daquele, cuja missão é aplicar a lei” (www.stf.jus.br).

10. Assim, impõe-se exame mais detido, que há de ser feito no julgamento de mérito do presente habeas corpus, depois de apresentado o parecer do Procurador-Geral da República, uma vez que não há elementos que demonstrem o bom direito legalmente estatuído como fundamento para o deferimento da medida pleiteada, razão pela qual indefiro a liminar.

11. Suficiente a instrução do pedido, vista ao Procurador-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 23 de junho de 2010.


Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Relatório da Human Rights Watch critica o Brasil

Em seu relatório anual, a organização não-governamental Human Rights Watch fez diversas críticas ao Brasil relacionadas aos casos de violência praticados por agentes policiais, à falta de punição a crimes do período da ditadura civil e militar e à atuação da política externa brasileira em questões que envolveram direitos humanos. A ONG é uma das líderes mundiais em organizações independentes destinadas à defesa e proteção desses direitos e liberdades essenciais.

José Miguel Vivanco, diretor para América Latina da referida ONG, em entrevista coletiva realizada no dia 25 de janeiro, afirmou que espera que o atual governo reavalie o modo como a política externa tem lidado com o tema e “se converta em um aliado na causa dos direitos humanos em nível global quando se trata de avaliar a situação de direitos humanos em outras partes do mundo".

A Human Rights Watch voltou a apontar “práticas abusivas”, cometidas por alguns policiais, e lamentou o fato de alguns casos não serem devidamente investigados. A respeito disso, Vivanco afirmou: “No Brasil, os problemas de abusos policiais se transformaram quase em problemas crônicos. São muitos anos de violência, de corrupção, de atrocidades com impunidade, cometidas pelas polícias no Brasil, especialmente no Estado do Rio, mas também em São Paulo”.

Ainda assim, o documento menciona avanços, como a determinação de uma unidade especial do Ministério Público para investigar casos que envolvam suposto abuso policial em São Paulo e a instalação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) em favelas fluminenses, ainda que o Estado não tenha dotado medidas que assegurem a responsabilização de agentes que cometam abusos.

Vivanco ressaltou ainda a recente condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Araguaia, em que o Brasil foi responsabilizado pelo desaparecimento forçado de cerca de 70 pessoas, durante o regime militar, entre os anos 1972 e 1974. Apesar de a sentença deixar claro que crimes cometidos durante a ditadura não devem ficar impunes, tendo como escudo a Lei de Anistia, o diretor relembrou que houve declarações públicas de alguns ministros de que a decisão do tribunal não deveria ser cumprida.

Diante da avaliação, há previsão de reunião da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, passado o recesso parlamentar, para debater o relatório da Human Rights Watch. O deputado Luiz Couto, que integra a comissão, afirmou: “Nós, da Comissão de Direitos Humanos, vamos fazer um requerimento para ouvir entidades da sociedade civil organizada, dos direitos humanos, do Judiciário, do Legislativo, do Executivo e do Ministério Público, para então apresentar propostas que possam enfrentar essas críticas e denúncias sobre violações de direitos humanos em nosso País”.

(por Érica Akie Hashimoto)