domingo, 20 de março de 2011

PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS • GARANTIA PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA

Revista Jurídica Consulex nº 337
Portal Jurídico

POR AURINEY BRITO E ALESSANDRO BRITO

PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS • GARANTIA PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA

As prerrogativas profissionais da advocacia, que são diferentes de privilégios pessoais, representam direitos indispensáveis ao exercício da cidadania, fundada especialmente na garantia indissolúvel da ampla defesa.
A advocacia, por imperativo da Lei nº 8.906/94 e, principalmente, do mandamento emanado do art. 133 da Constituição Federal de 1988, é indispensável à administração da justiça, caracterizando-se pela inviolabilidade do seu exercício, por sua função social e, também, pela independência funcional.
É preciso reconhecer que não há justiça sem a assistência de advogado. Historicamente, essa é a razão pela qual as tiranias sempre cercearam a atividade advocatícia, tendo a Constituição Cidadã de 1988 inaugurado um novo tempo, compreendendo que a democracia precisa de uma advocacia forte para ter uma Justiça atuante.
Em que pese o mandamento constitucional, infelizmente, a inviolabilidade ainda é a prerrogativa mais vilipendiada pelo arbítrio. Os abusos são reiteradamente cometidos por autoridades incapazes de reconhecer que a inviolabilidade da advocacia não é privilégio pessoal, mas garantia que emana do próprio Estado Democrático de Direito. É essa visão míope e curta que não consegue avistar a função social da advocacia, tendo o advogado como depositário das mazelas do mundo, já que é ele quem acompanha o homem com todos os seus conflitos.
Nesse aspecto, é oportuno lembrar a lição de Martinez Val, quando afirmou:
A advocacia é uma profissão tremendamente pública, ante cuja radical publicidade desnuda-se minuto a minuto a intimidade da alma, mais que em qualquer outra.
Lamentável que do Poder Público – aqui representado por seus múltiplos órgãos e autoridades várias – partam, com frequência, os abusos e as coações contra os advogados e que, por conseguinte, ferem a garantia de inviolabilidade da advocacia, seja pelo monitoramento dos parlatórios, seja pelas decisões judiciais que, sem uma causa justa, determinam a expedição de mandados de prisão para simples averiguação ou busca e apreensão em escritórios de advocacia, bem como pela inovadora e autoritária “condução coercitiva para depoimento” de investigados, testemunhas e seus advogados, embora estes últimos encontrem-se tão só no exercício da gloriosa atividade profissional de “defensores das pessoas investigadas” no inquérito policial.
Há muito que se vem alertando para as atitudes com “ar de sensacionalismo”, consubstanciadas em investigações abusivas e condutas ditatoriais, em todo o território nacional. Nada obstante esse alerta, alguns magistrados as têm “avalizado” ao assumirem a persecução penal, exaustiva e cinematograficamente exposta por grupos midiáticos interessados na “formação da verdade”.
Por outro lado, certas autoridades, que deveriam representar a maior frente de contrapoder a um Estado policialesco, tornam-se protagonistas de “novelas com nomes engraçados”, que, em geral, destroem constituições e documentos internacionais no que concerne às liberdades pessoais, inviolabilidades e, em especial, ao direito humano de ser presumido inocente antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória irrecorrível.
O Professor Pontes de Miranda já dizia: “O juiz representa o Estado, o promotor defende a lei e o advogado o povo”. Dessa maneira, o arbítrio contra a inviolabilidade da advocacia, praticado em nome do Estado ou da lei, representa um atentado contra o povo e um retrocesso à democracia brasileira.
No passado, as becas e togas que vestiam os bons homens encobriam as vergonhas cometidas por aqueles que faziam uso inde­vido do poder.
Felizmente, nos tempos modernos, o mau uso do poder está sendo alvo de fiscalização de órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que realizam papel sacrossanto no controle administrativo e disciplinar do Judiciário e do Parquet, contando, para tanto, com a contribuição de advogados que conhecem a fundo a realidade da advocacia e a necessidade da defesa incondicional da inviolabilidade da democracia brasileira.
Nas palavras da eminente Corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Ministra Eliana Calmon: “O bom juiz é um sacrificado; é um profissional que não consegue terminar a sua tarefa, que é inesgotável; é peça indispensável ao funcionamento de qualquer sociedade organizada, principalmente quando desejamos construir um Estado Democrático de Direito. Entretanto, na mesma proporção da importância do bom juiz, o mau juiz, aquele que se vende a interesses pessoais escusos, merece a repulsa de todos e dura punição para que não se esqueça da gravidade do seu ato. Por isso mesmo, defendo a imediata aprovação de uma nova LOMAN, com penas disciplinares atualizadas e severas”.1
A Ministra-Corregedora foi precisa ao afirmar que, em um Estado Democrático de Direito, não tem cabimento a permanência daqueles que se vendem a interesses pes­soais escusos ou aos holofotes, devendo, por isso mesmo, ser neutralizados e severamente repreendidos.
Não se pode negar que a advocacia teve importantes avanços institucionais, graças à luta incansável de eminentes advogados em defesa das prerrogativas do exercício profissional e, consequentemente, da cidadania. Cabe-lhes, agora, transmitir aos sucessores essa autoridade moral, sob pena de se permitir o império das mazelas de um Estado novo, sensacionalista e policialesco.
Como afirmou o eterno Mestre e patrono Rui Barbosa:
Nunca tive tempo de ser artista, e ambicionar entre artistas a admiração. Da pena e da palavra nunca me servi senão como de instrumentos espontâneos do dever e da luta.
Mais uma vez servimo-nos da “pena” para convocar a tropa e relembrar que esse é o espírito da luta dos advogados e da própria Ordem dos Advogados do Brasil em defesa das prerrogativas profissionais, asseguradas pelo Estatuto (EAOB) e pela Constituição de 1988, no Estado Democrático de Direito vigente. A missão é combater desvios e abusos do Poder Público em nome da liberdade. Avante!
NOTAS
1 CALMON, Eliana. Coragem e Competência para Superar Desafios. Revista Jurídica Consulex. Brasília-DF, ano XIV, nº 332, p. 6-8, nov. 2010.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Pagamento do tributo não obsta ação penal

A nova lei do Salário mínimo, lei 12.383/11, a mesma que o aumentou para 545 reais, trouxe uma importante modificação no que concerne à extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo.
Do jeito que estava, os autores de crimes contra a ordem tributária tinham inicialmente duas opções: i) Pagar o débito; ii) ser processado criminalmente. No entanto, uma alternativa surgia: ele poderia optar por ser processado, e se percebesse que a coisa tava ficando feia, pagaria a dívida e acabaria com o processo. O Pagamento da dívida, a qualquer tempo, extinguia a punibilidade do agente de acordo com o Art. 9o, §2 da lei 10.684/03.
O criminoso poderia, também, a qualquer tempo, requerer o parcelamento da dívida. Nesse caso a ação penal seria suspensa. Caso ele cumprisse fielmente com essa obrigação até a última parcela, extinguiria a punibilidade e, consequentemente, a ação penal.
O Direito Penal estava claramente sendo usado como uma ação de cobrança dotada de maior poder coercitivo. O estado dizia "O paga tua conta, ou te prendo". Um total desvirtuamento da missão do direito penal.
Com a alteração promovida pelo Art. 6o da lei 12.383/11, em benefício do agente sonegador só restou o pedido de parcelamento da dívida ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. Se assim o fizer, o direito que o estado tem de puní-lo ficará suspenso até a quitação do débito. Se quitar, extingue a punibilidade. Se não quitar, o juiz recebe a denúncia e toca o processo.
No período que a pretensão punitiva fica suspensa, o prazo prescricional também fica.
A partir de agora, portanto, o agente sonegador deverá decidir rapidamente se quer pagar ou ser processado. Pois, se o Ministério Público ofertar denúncia e o juiz receber, nem parcelamento, nem pagamento terão o condão de obtar o processo.
A estratégia dos advogados, e a atitute de agentes sonegadores deve mudar um pouco agora. Era comum o uso das ferramentas do Refis da crise, regulamentada pela lei 11.941/09, serem usadas após o recebimento da denúncia para obstar ações penais.
Ainda me parece que o Estado quer apenas forçar com sua maior arma de controle social o pagamento de tributos. A mera sonegação, sem fraude nenhuma, não atende os pressupostos de carência de tutela penal e dignidade penal que são exigíveis para se afirmar que um fato é merecedor de pena. Quem pode, paga com dinheiro. Quem não pode, paga com a liberdade. Como disse o Capitão Nascimento, Esse é o sistema.
Escrevi sobre isso no texto "Direito penal tributário e a missão do direito penal no estado democrático de direito" publicado pela RT, quem quiser é só pedir por email.