sábado, 3 de dezembro de 2011

Caso Marcelinho Paraíba e o Crime de estupro após o advento da Lei nº 12.015/09

Por Auriney Uchôa de Brito

No dia 30 de novembro de 2011, foi noticiada a prisão do jogador de futebol Marcelinho Paraíba sob a acusação de ter tentado estuprar uma mulher de identidade ainda não revelada. A suposta vítima, em depoimento, informou que o jogador a teria constrangido à beijá-lo, puxando-a pelos cabelos. Por meio de exame de corpo de delito, foram registradas lesões leves nos seus lábios.

O jogador foi preso em flagrante e encaminhado à autoridade policial local que o indiciou pelo delito de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal, na modalidade tentada, mandando-o para o presídio do município de Campina Grande-PB.

O juiz que recebeu o flagrante analisou a possibilidade de manutenção da prisão e considerou que não havia motivos para tanto rigor e o liberou após 5 horas de cárcere.

A informação que gerou todo o espanto da sociedade foi a de se considerar que um beijo possa ser estupro. Assim, Comete estupro quem beija uma mulher a força?

Antes de se sopesar esse questionamento, é importante que sejam lembradas as alterações advindas com a Lei nº 12.015/09. O art. 213 do CP passou a conter também as elementares do delito de atentado violento ao pudor, que figurava no extinto art. 214, vigorando a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Conjução carnal possui um significado teórico e prático muito fácil de ser identificado, o que não se pode dizer do denominado ato libidinoso. Este integra os chamados conceitos jurídicos indeterminados, a ser medido de acordo com a moralidade sexual razoável da sociedade. Abrange uma série de atos que variam entre os de maior gravidade, como o coito anal, até os de menor gravidade, como os chamados beijos lascivos. Nesta segunda hipótese, imprescindível que se confira ao caso concreto a devida dimensão, para que um ato perpetrado sem o menor interesse sexual já se enquadre nesse tipo. Importante que sempre se prestigiem os preceitos de proporcionalidade e razoabilidade.

Esclarece-se que O crime de estupro, com a reforma já mencionada, deixou de ser um crime contra os costumes para ser uma ofensa ao bem jurídico dignidade sexual, não só da mulher, mas de qualquer pessoa, por isso a expressão mulher foi substituída por alguém.

Para ser crime, portanto, o beijo lascivo deve ofender a dignidade sexual da pessoa. Se ofender, nem se trata de tentativa, mas sim de estupro consumado.

A conduta deve ser avaliada dentro do grau de lesividade necessária para se fazer a adequação típica material, além de ser indispensável a verificação do dolo na ação.

Os beijos lascivos até podem, numa situação extrema, preencher a elementar ato libidinoso previsto no crime de estupro quando, por exemplo, executado numa parte pudente da vítima, desde que sejam verificados o dolo e a lesividade da conduta em face à sua dignidade sexual.

Condutas como os beijos forçados em festas, micaretas, assim como as apalpadas, nessas mesmas circunstâncias, não podem ser considerados lesivos ao bem jurídico em questão. Podem, ao máximo, considerando o descontrole do autor, ser visto como um ato preparatório do crime em estudo, mas não uma tentativa, e muito menos uma consumação.

Com essas informações já é possível analisar o caso do jogador Marcelinho Paraíba e não é difícil perceber a arbitrariedade cometida pelas autoridades envolvidas no caso, ressalvada, evidentemente, a do juiz que, independentemente dos argumentos, ordenou a imediata liberação do mesmo.

Aqui serão apontadas as falhas jurídicas em caráter eminentemente técnico, deixando de lado todos os argumentos de corporativismo apontados para o caso, uma vez que o irmão da vítima também era delegado, ou de que o jogador foi vítima de extorsão.

Primeiramente, diante da exposição acerca das circunstâncias do crime, não há como se cogitar a tipificação dessa conduta no art. 213 do CP, por absoluta falta de proporcionalidade entre o fato e a pena prevista. Como já dito, um beijo, para ser considerado ato libidinoso forçado, ele precisa ter a sexualidade, gravidade e o dolo como características que lhe dão idoneidade para ofender o bem jurídico.

A conduta em análise poderia, ao máximo, ser tipificada como crime de constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do CP, com pena de detenção de 03 meses a 1 ano ou multa, somada a pena da lesão corporal culposa pelos ferimentos nos lábios, que é de detenção de 2 meses a 1 ano. Se não, simplesmente restaria a sanção, menos agressiva, da esfera cível pelo constrangimento sofrido.

A outra falha identificada no caso foi a de o delegado ter indiciado o acusado pelo crime em sua forma tentada. Ora, se o beijo foi realizado de forma forçada e foi considerado como ato libidinoso, então o delito está consumado e não tentado, pois todos os elementos da definição legal do crime estão presentes.

O crime de estupro, portanto, não exige mais aquela violência da penetração forçada como eram anos atrás, é possível que se consume com um contato diverso, mas não qualquer um, ou um simples contato, assim como não basta que seja forçado. É preciso que seja forçado e dimensionado de acordo com a moralidade média da nossa sociedade, sendo imprescindível, nesse sentido, que se verifique a sexualidade e o dolo na ofensa da dignidade sexual, sob pena de se punir de forma desproporcional e gerar uma insegurança reversa na população, maior que a da impunidade.


domingo, 23 de outubro de 2011

Os perigos da Internet para Crianças e Adolescentes

É uníssona a ideia de que a modernidade, junto com os benefícios tecnológicos, econômicos e sociais, trouxe uma série de novos riscos que incrementaram a maioria dos contatos sociais. A rede mundial de computadores, por sua vez, como ferramenta que revolucionou os meios de comunicação, foi a responsável pela integração mundial desses contatos, distribuindo, consequentemente, os riscos decorrentes do seu uso para todos os espaços do universo que estejam conectados.

A busca intensa por inclusão digital, em geral mal educada; a substituição de contatos físicos por relacionamentos via internet; a expansão do comércio eletrônico; e o constante aumento das transações bancárias e financeiras pelo computador, são as principais características identificadas na sociedade atual como incrementadoras dos riscos relacionados à delinquência informática, fatores que sugerem uma maior preocupação com a temática.

Neste breve ensaio, será demonstrado ao leitor da Revista Prime a relevância penal das principais condutas praticadas pela internet que atentam contra bens jurídicos de crianças e adolescentes.

Em primeiro lugar está a polularmente conthecida prática da “pedofilia” na internet. Essa expressão propagou-se nacionalmente com significado diverso do real. “Pedofilia” não é crime, é uma doença classificada no CID 10: F65.4. Crime é a criação e divulgação de material pornografico infantil cuja pena pode chegar a 06 (seis) anos de reclusão. (Art. 241-A da Lei 8069/90)

Em segundo está a preocupante prática do Cyberbullying. Inicialmente surgiu o bullying como o uma forma de violência, física ou mental, que geralmente ocorria na escola, entre crianças e adolescentes, caracterizado por ações agressivas e repetitivas com a finalidade de causar sofrimento físico ou psíquico contra a pessoa, ou com o objetivo de excluí-la de um determinado grupo.

Com a popularização do uso da internet pelo público infanto-juvenil, verificou-se que o bullying havia ganhado novos meios de execução muito mais expansivos e perigosos, como os insultos em salas de chat, mensagens instantâneas, telefones celulares, a criação de comunidades no orkut, facebook, ou similares para desqualificar a pessoa, publicação de imagens em blogs etc, condutas que passaram a ser chamadas de Cyberbullying.

Já são conhecidos diversos casos de suicídio de jovens que foram vítimas do cyberbullying que, não suportando o sofrimento psicológico causado pelos agressores, tiraram a própria vida, como foi o caso divulgado no Jornal Americano The New York Times de 16.12.2007, onde uma jovem de 13 anos enforcou-se com um cinto após uma série de atos atentatórios à sua honra que foram publicados no site de comunicação chamado my space.

As Crianças e Adolescentes devem estar preparados para essa situação e saber que ela pode ser impedida, suspensa e revertida. Os responsáveis poderão ser identificados e punidos, mas para isso a vítima deve manter o controle e preservar as provas da agressão, seja salvando imagens no computador, ou imprimindo as páginas da internet que demonstrem o conteúdo ofensivo.

Em terceito está o Stalking que é a denominação americana atribuída às práticas reiteradas de invasão da esfera de privacidade de uma pessoa por outra que, por qualquer motivo, deseja chamar sua atenção, acabando por causar sérios danos à saúde mental da vítima. Geralmente envolve assédio ou comportamento ameaçador de um indivíduo que se engaja em várias vezes, como na insistência de uma pessoa que aparece na casa de uma vítima ou no seu local de trabalho, fazendo telefonemas de assédio, deixando mensagens escritas ou objetos, ou vandalizando sua propriedade.

Os motivos que levam a essa prática podem ser, dentre outros, o amor, o ódio ou a vingança. O envio de cartas, encontros não programados, envio de presentes, ligações telefônicas eram os principais meios de execução dessa modalidade de perseguição.

Acontece que, a exemplo do que ocorreu com o bullyng, o stalking ganhou uma ferramenta que facilitou o serviço do perseguidor, e potencializou os danos causados às vítimas. Emails, scraps, tweets, são todos exemplos de novos meios de execução proporcionados pelo uso da internet, passando com isso a denominar-se Cyberstalking.

Por ultimo, mas não menos preocupante, o Sexting surge como a denominação atribuída à prática de transferir arquivos de conteúdos pornográficos, através das tecnologias da informação e dos telefones celulares. O envio de mensagens de textos (SMS) é conhecido como texting, mas, juntando essa expressão com o conteúdo pornográfico (Sex), resultou na expressão sexting.

O bluetooth, infravermelho e as mensagens multimídias, são exemplos das tecnologias dos telemóveis que são utilizadas para transferir vídeos e imagens pornográficas.

O mais comum entre os adolescentes é que eles mesmo tomem a iniciativa de produzir a imagem ou vídeo do seu próprio corpo, e iniciem a divulgação. Acontece também, de filmarem, ou fotografarem os momentos íntimos com seus parceiros, muitas vezes, com consentimento de ambos, para depois mostrar para os colegas que já possuem uma vida sexual ativa.

O que começa como uma forma de alcançar popularidade entre os colegas, pode tomar proporções trágicas. Os casos mais comuns de tragédias ocorrem quando, após o término de um relacionamento, por motivos diversos, a parte que fica como as imagens resolve divulgá-las indiscriminadamente, como já aconteceu com algumas famosas.

Com relação à vítimas crianças e adolescentes, a estatística dessas práticas só tem aumentado e muito disso se deve a despreocupação dos pais no momento da inclusão digital dos filhos. Como já foi dito, a internet tem as suas vantagens, mas é preciso cautela no uso dessa moderna e ilimitada ferramenta. Navegar é preciso, mas nessa viagem os menores devem estar devidamente acompanhados e orientados sobre os riscos da navegação.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Resultado da Enquete: Evento sobre Operações da Polícia Federal

Como Resultado da enquete do nosso blog, hoje às 19h, no Salão de Atos da Faculdade Seama, Ocorrerá o I Encontro do Ciclo de Debates Jurídicos 2011 com o tema "Operações da Polícia Federal". O evento será dividido em 03 palestras e depois debate sobre os temas com resposta às perguntas dos participantes. Os palestrantes confirmados são: 1) Procurador da República Celso Leal, que atuou na Operação Voucher e outras. 2) Juiz Federal Mauro Henrique, que atuou na op. Voucher e outras. 3) Advogado Auriney Brito, que já atuou em diversas operações da polícia federal. Dentre os temas, os palestrantes abordarão questões relacionadas à interceptação telefônica, busca e apreensão, condução coercitiva, prisão e habeas corpus.
Agradecemos a participação de todos que votaram na enquete. Logo iniciaremos uma nova enquete para definir o tema do próximo evento.
Local: Salão de Atos da Faculdade Seama
Horário: 19h
Carga Horária: 12h/a
Organização: Auriney Brito
Marceano Lobato Sucupira

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Princípio da insignificância: STF concede quase 1/3 dos HCs. Juízes ainda condenam por um pote de manteiga

Por Luiz Flávio Gomes

Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância: STF concede quase 1/3 dos HCs. Juízes ainda condenam por um pote de manteiga… Disponível em http://www.lfg.com.br - 11 de março de 2011.

Notícia divulgada pelo STF no dia 07.03.2011 diz o seguinte: dos 340 Habeas Corpus autuados no Supremo Tribunal Federal (STF) entre 2008 e 2010 pleiteando a aplicação do princípio da insignificância (ou bagatela), 91 foram concedidos, número que equivale a 26,76% do total. Quase um terço do total.

Em 2008, chegaram ao STF 99 processos do tipo, sendo que 31 foram acolhidos. Em 2009, dos 118 habeas corpus impetrados na Corte sobre o tema, 45 foram concedidos. Já em 2010, o STF recebeu 123 HCs sobre princípio da insignificância, acolhendo somente 15 desses pedidos.

Em 2008 foram indeferidos ou arquivados 14 Habeas Corpus pedindo a aplicação do princípio. Em 2009, 26 processos do tipo foram negados ou arquivados. Em 2010, esse total subiu para 76.

Nossos comentários:

Ainda é preciso chegar ao STF (nossa quarta instância, em termos de HC), muitas vezes, para ver aplicado o princípio da insignificância (que tratamos em livro específico, RT). Isso significa que o réu deve passar por três instâncias anteriores: primeira, segunda e STJ. Ufa! Que dificuldade!

O que a estatística do STF revela? Revela o seguinte: é incrível o teor de violência que ainda está presente na caneta dos juízes brasileiros. Há exceções, claro! Que só comprovam a regra geral (de autoritarismo e violência contra os marginalizados étnica, social e economicamente).

Prossegue a notícia do STF: Princípio da insignificância é aplicado a furto de objetos de pouco valor

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu na primeira sessão de 2011 a análise de quatro Habeas Corpus pedindo a aplicação do princípio da insignificância (ou bagatela). Três deles foram concedidos, resultando na extinção de ações penais.

Processos envolvendo o princípio da insignificância têm-se tornado cada vez mais corriqueiros no STF. Uma dessas ações julgada pela Turma apurava a tentativa de furto de dez brocas, dois cadeados, duas cuecas, três sungas e seis bermudas de um hipermercado em Natal, no Rio Grande do Norte.

Ao conceder o pedido de Habeas Corpus para anular a ação penal, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, ressaltou que o princípio da insignificância se firmou “como importante instrumento de aprimoramento do Direito Penal, sendo paulatinamente reconhecido pela jurisprudência dos tribunais superiores, em especial pelo Supremo Tribunal Federal”, após passar por um “longo processo de formação, marcado por decisões casuais e excepcionais”.

Segundo ele, “não é razoável que o direito penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e do Estado-Juiz movimentem-se no sentido de atribuir relevância típica a um furto de pequena monta”.

A outra ação penal trancada por decisão da 2ª Turma do Supremo tratava do furto de uma bicicleta no valor de R$ 120,00, que acabou sendo devolvida ao proprietário. O caso, que ocorreu no Rio Grande do Sul, foi debatido em um Habeas Corpus que também era de relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Em seu voto, ele afirma que “a despeito de restar patente a existência da tipicidade formal (perfeita adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal) — não incide no caso a tipicidade material, que se traduz na lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado, sendo atípica a conduta imputada ao (réu)”.

Nossos comentários:

No nosso livro sobre o tema (RT) procuramos realçar bem a diferença entre tipicidade formal e tipicidade material. A tipicidade formal exige a realização literal (gramatical) do fato típico descrito na lei. Todo fato insignificante é, desde logo, formalmente típico. Do contrário, nem sequer se coloca a questão da insignificância, que tem tudo a ver com o grau de ofensa ao bem jurídico. Quando essa ofensa é ínfima, nímia, não se justifica a intervenção do direito penal. Essas lesões ínfimas não fazem parte do âmbito do proibido. Nem tudo que formalmente é típico resulta materialmente típico. Na avaliação do que é materialmente típico (penalmente relevante) entra uma boa dose de sensibilidade e razoabilidade do juiz. A dificuldade de aplicação do princípio da insignificância reside justamente nisso: ele não está previsto expressamente na lei. Tudo depende de uma valoração do juiz. Assim como as regras de imputação objetiva de Roxin. Muitos juízes não possuem a mínima ideia do que é isso. E tudo que ignoramos tendemos a rejeitar. Tudo fica mais simplificado. Banir nossa ignorância, em tudo da nossa vida, significa estudar, aprender, saber. Isso custa tempo e esforço. A lei do menor esforço nos leva sempre a preferir o comodismo, o imobilismo.

Novamente, o ministro Gilmar Mendes ressalta que, “quando as condições que circundam o delito dão conta da sua singeleza, miudeza e não habitualidade”, não é razoável que o Direito Penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e do Estado-Juiz sejam provocados.

O terceiro caso de aplicação do princípio da insignificância pela 2ª Turma do Supremo anulou uma ação penal aberta para investigar o não recolhimento de tributos em importação de mercadorias no valor de R$ 1.645,28. O debate ocorreu na análise de Habeas Corpus de relatoria do ministro Joaquim Barbosa, que aplicou precedentes da Corte sobre a matéria.

Não se pode esquecer que a jurisprudência do STF se firmou no sentido de que nos crimes tributários e previdenciários o valor da insignificância hoje reside no patamar de R$ 10.000,00.

Conceito

O princípio da insignificância é um preceito que reúne quatro condições essenciais para ser aplicado: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada.

Em resumo, o conceito do princípio da insignificância é o de que a conduta praticada pelo agente atinge de forma tão ínfima o valor tutelado pela norma que não se justifica a repressão. Juridicamente, isso significa que não houve crime algum.

Do ponto de vista formal, sim, houve uma conduta típica. O que se afasta na insignificância é a tipicidade material.

Em maio de 2009, isso foi ressaltado em julgamento realizado pela Segunda Turma do Supremo. Os ministros aplicaram o princípio da insignificância a uma tentativa de furto de cinco barras de chocolate em um supermercado.

Nesse caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) limitou-se a extinguir a punibilidade do acusado. Mas a Turma, seguindo voto do relator do processo, ministro Celso de Mello, reformou a decisão para absolver o réu e extinguir a ação penal porque, segundo ele, a conduta sequer poderia ser considerada crime.

É que a extinção da punibilidade por si só não exclui os efeitos processuais. Ou seja, a tentativa de furto ficaria registrada e poderia pesar contra o acusado no futuro, na qualidade de maus antecedentes. Ao ser absolvido, o acusado é considerado primário caso se torne réu em outra ação.

Caso a caso

A jurisprudência do Supremo determina que a aplicação do princípio da insignificância deve ser criteriosa e feita caso a caso. A Primeira Turma, por exemplo, já reconheceu que o preceito pode ser aplicado a atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A reincidência, entretanto, inviabiliza a aplicação do princípio. Em outubro de 2009, a Primeira Turma negou pedido de Habeas Corpus em favor de um adolescente acusado de roubar uma ovelha em Santiago, no Rio Grande do Sul. A decisão foi tomada com base em informações do Tribunal de Justiça gaúcho segundo as quais o jovem já havia se envolvido em outros atos infracionais tendo, inclusive, sofrido medidas socioeducativas.

Os ministros também levaram em consideração o caráter educativo da reprimenda, que determinou a inclusão do adolescente em um programa de combate à dependência química. Segundo dados do processo, a mãe do jovem declarou a autoridades locais que seu filho estava se envolvendo com criminosos e vendendo objetos de sua casa para comprar drogas.

A Primeira Turma do STF também analisou pedidos de aplicação do princípio da insignificância logo nas primeiras sessões deste ano. Um dos Habeas Corpus beneficiaria dois condenados pelo furto de bicicleta avaliada em cerca de R$ 100,00.

O pedido não foi concedido porque a vítima do crime era pobre, o que, para os ministros, torna o valor do bem significativo. Com isso, continua valendo a pena de dois anos reclusão e pagamento de multa imposta aos acusados, que foi substituída por outra restritiva de direitos.

Também não é considerado insignificante pelo Supremo a posse, por militar, de pequena quantidade de entorpecente em estabelecimento castrense. No dia 21 de outubro de 2010, por 6 votos a 4, a Corte firmou o precedente de que o princípio da insignificância não pode ser utilizado para beneficiar militares flagrados com reduzida quantidade de droga em ambiente militar. “O uso de drogas e o dever militar são como água e óleo, não se misturam”, sintetizou o ministro Ayres Britto, relator do Habeas Corpus analisado na ocasião.

Discordamos desse entendimento. Tudo depende do caso concreto. Os valores militares (hierarquia, obediência etc.) não são suficientes para justificar, de plano, a incidência do princípio da insignificância. Há acórdãos do Min. Celso de Mello nesse sentido.

O caso era de um militar surpreendido com pequena quantidade de maconha durante expediente no Hospital Geral de Brasília (HGB), estabelecimento castrense. Pela conduta, o militar foi enquadrado no artigo 290 do Código Penal Militar e condenado a um ano de reclusão.

Em abril de 2009, a Segunda Turma do STF negou a aplicação do princípio da insignificância a dois casos que envolviam condenação por furto e roubo de quantidade ínfima de dinheiro. Um por causa da relevância, para a vítima, da lesão jurídica provocada. A circunstância era de furto de toda renda obtida em um dia de trabalho pela dona de um trailer de lanche no Rio de Janeiro. O outro caso envolveu roubo com uso de arma de fogo e violência.

Novos casos

Logo no início deste ano chegaram ao STF novos Habeas Corpus pedindo a aplicação do princípio da insignificância. Entre os pedidos, há um em favor de acusado de roubar uma bicicleta no valor de R$ 150,00 na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. O roubo ocorreu em 2009.

A bicicleta chegou a ser devolvida ao dono e o acusado foi absolvido em primeira instância e pelo Tribunal de Justiça do estado. Mas a ação penal voltou a tramitar por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acolheu recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Agora a defesa recorre ao Supremo.

Outro habeas corpus pede a absolvição de pessoa condenada por colocar em circulação duas cédulas falsas de R$ 50,00. A condenação foi determinada pela 2ª Vara Federal do Rio Grande do Norte e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com sede em Recife (PE).

Um terceiro pedido foi feito em defesa de acusado pela tentativa de furto de esquadrias de alumínio de um prédio desativado do Tribunal Regional do Trabalho em Itabuna, na Bahia. A defesa pede o trancamento da ação penal sob o argumento de que o acusado obteria um valor ínfimo com a venda das esquadrias, abaixo de R$ 50,00.

É fundamental, para a consolidação definitiva do princípio da insignificância, a atuação dos advogados e defensores. Claro que, em tese, também o Ministério Público pode fazer a postulação (em habeas corpus em favor do réu). Mas isso é raro. Deixando a raridade de lado, vamos para a regra geral: são os advogados e defensores públicos os grandes responsáveis pela mudança e/ou consolidação da jurisprudência. No âmbito penal, gostaria de sinalizar duas áreas em que isso ainda deve acontecer com bastante intensidade: imputação objetiva de Roxin e direito internacional. São duas áreas praticamente virgens em termos de jurisprudência. E por que a jurisprudência é parcimoniosa aqui: porque os advogados estão invocando pouco (ou nada) essas teses nos seus arrazoados. A atualização permanente dos advogados é a grande responsável pelas mudanças do direto. Cuida-se de um papel não só jurídico, como, sobretudo, social. O direito não pode ficar imobilizado. Quando a ciência evolui (esse é o caso da teoria da imputação objetiva) ou quando a jurisprudência internacional avança (veja no nosso blog as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos), os primeiros a invocar tudo isso nas petições devem ser os advogados e defensores.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Prisão preventiva: nova lei e falta de fundamentação

Ao aplicar a nova redação do art. 313, I ,do CPP [“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos”], alterado pela Lei 12.403/2011, a 2ª Turma concedeu habeas corpus para cassar o decreto de prisão preventiva exarado em desfavor dos pacientes. Na espécie, eles foram acusados pela suposta prática dos delitos de resistência (CP, art. 329) e de desacato (CP, art. 331), ambos com pena máxima abstratamente cominada de 2 anos de detenção. Apontou-se que, com as inovações trazidas pela referida lei — a qual dispõe sobre matérias pertinentes à prisão processual, fiança, liberdade provisória, e demais medidas cautelares — a segregação, no caso, seria imprópria. Ademais, entendeu-se que o magistrado não reunira dados concretos hábeis a justificar a necessidade da constrição cautelar como meio necessário e inafastável para se resguardar a aplicação da lei penal. Ao contrário, assinalou-se que fora utilizado formulário padrão, previamente elaborado, o que evidenciaria, de forma flagrante, a ausência de individualização dos decretos prisionais.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Envio de artigos para o XX Congresso Nacional do CONPEDI

Prezados,

Entre os dias 08 de agosto a 03 de outubro de 2011 está aberto o prazo de envio de artigos para o XX Congresso Nacional do CONPEDI, que se realizará nos dias 16, 17, 18 e 19 de novembro de 2011 na cidade de Vitória – ES na Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

As regras de envio de artigo são as mesmas adotadas nos eventos anteriores e o recebimento será realizado pelo sistema PublicaDireito.

Todas as informações estão disponíveis no site do evento.

Não há previsão de prorrogação do prazo, assim, pedimos especial atenção ao período de submissão de artigos.

Grupos de Trabalhos proposto pelo CONPEDI/UFES: (Clique aqui para acesso as ementas)
1. ACESSO A JUSTIÇA
2. BIODIREITO
3. CULTURA JURIDICA E PRÁTICA JUDICIÁRIA
4. DIREITO AMBIENTAL
5. DIREITO DE FAMÍLIA
6. DIREITO DO TRABALHO
7. DIREITO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
8. DIREITO E ECONOMIA
9. DIREITO E NOVAS TECNOLOGIAS
10. DIREITO E SUSTENTABILIDADE
11. DIREITO ELEITORAL*
12. DIREITO EMPRESARIAL
13. DIREITO INTERNACIONAL
14. DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
15. DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA
16. DIREITO PROCESSUAL CIVIL: PASSADO, REFORMAS E CONTEMPORANEIDADE*
17. DIREITO TRIBUTÁRIO
18. DIREITO, ARTE E LITERATURA
19. DIREITO, EDUCAÇÃO, ENSINO E METODOLOGIA JURÍDICOS
20. DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA
21. DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
22. FILOSOFIA DO DIREITO
23. HERMENÊUTICA
24. HISTÓRIA DO DIREITO
25. JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: VERDADE, MEMÓRIA E JUSTIÇA
26. JUSTIÇA TRANSNACIONAL*
27. MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
28. NOVOS DIREITOS
29. PROCESSO E JURISDIÇÃO
30. PROPRIEDADE INTELECTUAL
31. RELAÇÕES PRIVADAS E DEMOCRACIA
32. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA JURÍDICA
*GT`s indicados pelo programa de pós-graduação da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

A equipe organizadora do XX Congresso Nacional do CONPEDI agradece sua contribuição e lhe deseja boa sorte!!!
http://www.conpedi.org.br/
secretaria@conpedi.org.br

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Cutucar ou enviar solicitações de amizade no facebook podem acabar em prisão

Nos Estados Unidos pessoas foram presas por “cutucar” ou “enviar solicitação de amizade” no FACEBOOK. Os fatos ocorreram porque elas estavam proibidas pela justiça de manter qualquer espécie de contato com o companheiro, algo semelhante às nossas medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha.

O primeiro caso foi o da americana Shannon Jackson, que deu uma “cutucada” no ex-marido através do facebook e acabou presa por 11 meses e 29 dias.

O segundo caso foi o do inglês Dylan Osborn que foi preso por ter cometido um erro muito comum. Ao criar a conta no facebook, o aplicativo faz recomendações de pessoas que o usuário conhece e se utiliza também da sua lista de emails para recomendar mais amigos. Para facilitar sua vida, foi o que ele fez, mandou convite para todos da sua lista de emails. O problema foi que dentre os contatos estava a sua ex-mulher e acabou preso por 7 dias por ter descumprido a decisão judicial de afastamento total e proibição de qualquer espécie de contato.

Essas situações podem facilmente ocorrer no Brasil. É crescente o número de usuários brasileiros no facebook e demais redes sociais, além de que o descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha pode gerar prisão preventiva.

Portanto, cuidado com que vc anda cutucando por aí. #FicaaDica.