domingo, 20 de fevereiro de 2011

Íntegra da decisão da Ministra Carmem Lúcia no HC 104467-Manutenção de Casa de Prostituição

1. Habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO em favor de ARIONILDO FELIX DE MENEZES e JANETE DA SILVA, contra julgado da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, em 27.4.2010, negou provimento ao Agravo Regimental no Recurso Especial 1.167.646, Relator o Ministro Haroldo Rodrigues.

2. Tem-se nos autos que, em 9.5.2006, o Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou os Pacientes pela suposta prática do crime de manter casa de prostituição (art. 229 do Código Penal – fls. 10-12).
3. Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs apelação. Em 4.6.2009, a Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento ao recurso para manter a absolvição dos Pacientes, nos termos seguintes:

Em 29.1.2009, o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tramandaí/RS absolveu os Pacientes ao fundamento de que “casa de prostituição é conduta que vem sendo descriminalizada pela jurisprudência em razão da liberação dos costumes, sendo a conduta atípica” (fl. 19).
“APELAÇÃO CRIMINAL. MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. ADEQUAÇÃO SOCIAL DO FATO. ATIPICIDADE. APELO [NÃO]PROVIDO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
À unanimidade, negaram provimento ao apelo ministerial” (fl. 20).

4. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso especial, que, em 11.3.2010, foi provido monocraticamente pelo Ministro Relator do Superior Tribunal de Justiça Haroldo Rodrigues:

“PENAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TOLERÂNCIA OU DESUSO. TIPICIDADE.
1. Esta Corte firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal.
2. Precedentes.
3. Recurso especial provido” (fl. 29).

5. Contra essa decisão a Defensoria Pública da União interpôs agravo regimental, sobrevindo, em 27.4.2010, a decisão objeto da presente impetração, cuja ementa é a seguinte:

“PENAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TOLERÂNCIA OU DESUSO. TIPICIDADE.
1. Esta Corte firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal.
2. Precedentes.
3. Agravo Regimental a que se nega provimento” (fl. 32).

6. No presente habeas corpus, a Impetrante sustenta que, pela aplicação dos princípios da fragmentariedade e da adequação social, a conduta praticada pelos Pacientes não seria materialmente típica.

Alega que, “apesar da norma penal incriminadora prevista no art. 229 do Código Penal estar em plena vigência, é necessário interpretá-la de forma cuidadosa para que possa ter validade e aplicabilidade em relação aos fatos da vida real” (fl. 8).

7. Este o teor dos pedidos:

“1. seja concedida liminarmente medida cautelar, a fim de suspender a decisão do Superior Tribunal de Justiça até decisão final de mérito, informando-se o Juízo de primeira instância;
(...)
5. seja concedida a ordem de habeas corpus, para cassar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, restabelecendo-se a absolvição conferida nas decisões de primeira e segunda instâncias, haja vista a atipicidade da conduta dos assistidos Arionildo Felix de Menezes e Janete da Silva, em face da aplicação dos Princípios da Fragmentariedade e da Adequação Social ao artigo 229 do Código Penal Brasileiro” (fl. 9).

Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO.

8. Pelo que se tem nos autos, parece não se sustentarem juridicamente os argumentos apresentados pela Impetrante para assegurar o êxito do seu pleito, pois não se constatam fundamentos suficientes para reconhecer a atipicidade da conduta dos Pacientes, pelo menos nesse juízo preliminar.

9. Existem precedentes específicos do Supremo Tribunal Federal que reconhecem a tipicidade da conduta de manter casa de prostituição e são desfavoráveis à tese da impetração, bastando para evidenciar a ausência de plausibilidade jurídica da presente ação:

“Ementa: CASA DE PROSTITUIÇÃO (ART. 229 DO C.P.). 'HABEAS CORPUS' PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. INDEFERIMENTO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. RECURSO DE HABEAS CORPUS IMPROVIDO. HAVENDO ELEMENTOS NO INQUERITO, QUE AUTORIZAM A DENUNCIA; EM SE TRATANDO DE CRIME PERMANENTE, QUE EXIGE PROVA DE HABITUALIDADE, A SER COMPLETADA NO CURSO DA INSTRUÇÃO; E NÃO CONTENDO A LICENCA, PARA FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL AUTORIZAÇÃO (ALIAS, INADMISSIVEL) PARA NELE SE INSTALAR CASA DE PROSTITUIÇÃO; NÃO E CASO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, ADEQUADAMENTE PROPOSTA” (RHC 65.391, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 6.11.1987).

Tem-se do conteúdo do voto do Ministro Sydney Sanches, Relator do RHC 65.391:

“Não podem ser colhidas, por último, as considerações no sentido de que, nos tempos atuais, já não se justifica a punição da mantença de casa de prostituição. Ao Ministério Público e ao Juiz competem a interpretação e a aplicação da lei, jamais a negativa de sua vigência. A descriminalização e tarefa do legislador e não daquele, cuja missão é aplicar a lei” (www.stf.jus.br).

10. Assim, impõe-se exame mais detido, que há de ser feito no julgamento de mérito do presente habeas corpus, depois de apresentado o parecer do Procurador-Geral da República, uma vez que não há elementos que demonstrem o bom direito legalmente estatuído como fundamento para o deferimento da medida pleiteada, razão pela qual indefiro a liminar.

11. Suficiente a instrução do pedido, vista ao Procurador-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 23 de junho de 2010.


Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Relatório da Human Rights Watch critica o Brasil

Em seu relatório anual, a organização não-governamental Human Rights Watch fez diversas críticas ao Brasil relacionadas aos casos de violência praticados por agentes policiais, à falta de punição a crimes do período da ditadura civil e militar e à atuação da política externa brasileira em questões que envolveram direitos humanos. A ONG é uma das líderes mundiais em organizações independentes destinadas à defesa e proteção desses direitos e liberdades essenciais.

José Miguel Vivanco, diretor para América Latina da referida ONG, em entrevista coletiva realizada no dia 25 de janeiro, afirmou que espera que o atual governo reavalie o modo como a política externa tem lidado com o tema e “se converta em um aliado na causa dos direitos humanos em nível global quando se trata de avaliar a situação de direitos humanos em outras partes do mundo".

A Human Rights Watch voltou a apontar “práticas abusivas”, cometidas por alguns policiais, e lamentou o fato de alguns casos não serem devidamente investigados. A respeito disso, Vivanco afirmou: “No Brasil, os problemas de abusos policiais se transformaram quase em problemas crônicos. São muitos anos de violência, de corrupção, de atrocidades com impunidade, cometidas pelas polícias no Brasil, especialmente no Estado do Rio, mas também em São Paulo”.

Ainda assim, o documento menciona avanços, como a determinação de uma unidade especial do Ministério Público para investigar casos que envolvam suposto abuso policial em São Paulo e a instalação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) em favelas fluminenses, ainda que o Estado não tenha dotado medidas que assegurem a responsabilização de agentes que cometam abusos.

Vivanco ressaltou ainda a recente condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Araguaia, em que o Brasil foi responsabilizado pelo desaparecimento forçado de cerca de 70 pessoas, durante o regime militar, entre os anos 1972 e 1974. Apesar de a sentença deixar claro que crimes cometidos durante a ditadura não devem ficar impunes, tendo como escudo a Lei de Anistia, o diretor relembrou que houve declarações públicas de alguns ministros de que a decisão do tribunal não deveria ser cumprida.

Diante da avaliação, há previsão de reunião da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, passado o recesso parlamentar, para debater o relatório da Human Rights Watch. O deputado Luiz Couto, que integra a comissão, afirmou: “Nós, da Comissão de Direitos Humanos, vamos fazer um requerimento para ouvir entidades da sociedade civil organizada, dos direitos humanos, do Judiciário, do Legislativo, do Executivo e do Ministério Público, para então apresentar propostas que possam enfrentar essas críticas e denúncias sobre violações de direitos humanos em nosso País”.

(por Érica Akie Hashimoto)