sábado, 3 de dezembro de 2011

Caso Marcelinho Paraíba e o Crime de estupro após o advento da Lei nº 12.015/09

Por Auriney Uchôa de Brito

No dia 30 de novembro de 2011, foi noticiada a prisão do jogador de futebol Marcelinho Paraíba sob a acusação de ter tentado estuprar uma mulher de identidade ainda não revelada. A suposta vítima, em depoimento, informou que o jogador a teria constrangido à beijá-lo, puxando-a pelos cabelos. Por meio de exame de corpo de delito, foram registradas lesões leves nos seus lábios.

O jogador foi preso em flagrante e encaminhado à autoridade policial local que o indiciou pelo delito de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal, na modalidade tentada, mandando-o para o presídio do município de Campina Grande-PB.

O juiz que recebeu o flagrante analisou a possibilidade de manutenção da prisão e considerou que não havia motivos para tanto rigor e o liberou após 5 horas de cárcere.

A informação que gerou todo o espanto da sociedade foi a de se considerar que um beijo possa ser estupro. Assim, Comete estupro quem beija uma mulher a força?

Antes de se sopesar esse questionamento, é importante que sejam lembradas as alterações advindas com a Lei nº 12.015/09. O art. 213 do CP passou a conter também as elementares do delito de atentado violento ao pudor, que figurava no extinto art. 214, vigorando a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Conjução carnal possui um significado teórico e prático muito fácil de ser identificado, o que não se pode dizer do denominado ato libidinoso. Este integra os chamados conceitos jurídicos indeterminados, a ser medido de acordo com a moralidade sexual razoável da sociedade. Abrange uma série de atos que variam entre os de maior gravidade, como o coito anal, até os de menor gravidade, como os chamados beijos lascivos. Nesta segunda hipótese, imprescindível que se confira ao caso concreto a devida dimensão, para que um ato perpetrado sem o menor interesse sexual já se enquadre nesse tipo. Importante que sempre se prestigiem os preceitos de proporcionalidade e razoabilidade.

Esclarece-se que O crime de estupro, com a reforma já mencionada, deixou de ser um crime contra os costumes para ser uma ofensa ao bem jurídico dignidade sexual, não só da mulher, mas de qualquer pessoa, por isso a expressão mulher foi substituída por alguém.

Para ser crime, portanto, o beijo lascivo deve ofender a dignidade sexual da pessoa. Se ofender, nem se trata de tentativa, mas sim de estupro consumado.

A conduta deve ser avaliada dentro do grau de lesividade necessária para se fazer a adequação típica material, além de ser indispensável a verificação do dolo na ação.

Os beijos lascivos até podem, numa situação extrema, preencher a elementar ato libidinoso previsto no crime de estupro quando, por exemplo, executado numa parte pudente da vítima, desde que sejam verificados o dolo e a lesividade da conduta em face à sua dignidade sexual.

Condutas como os beijos forçados em festas, micaretas, assim como as apalpadas, nessas mesmas circunstâncias, não podem ser considerados lesivos ao bem jurídico em questão. Podem, ao máximo, considerando o descontrole do autor, ser visto como um ato preparatório do crime em estudo, mas não uma tentativa, e muito menos uma consumação.

Com essas informações já é possível analisar o caso do jogador Marcelinho Paraíba e não é difícil perceber a arbitrariedade cometida pelas autoridades envolvidas no caso, ressalvada, evidentemente, a do juiz que, independentemente dos argumentos, ordenou a imediata liberação do mesmo.

Aqui serão apontadas as falhas jurídicas em caráter eminentemente técnico, deixando de lado todos os argumentos de corporativismo apontados para o caso, uma vez que o irmão da vítima também era delegado, ou de que o jogador foi vítima de extorsão.

Primeiramente, diante da exposição acerca das circunstâncias do crime, não há como se cogitar a tipificação dessa conduta no art. 213 do CP, por absoluta falta de proporcionalidade entre o fato e a pena prevista. Como já dito, um beijo, para ser considerado ato libidinoso forçado, ele precisa ter a sexualidade, gravidade e o dolo como características que lhe dão idoneidade para ofender o bem jurídico.

A conduta em análise poderia, ao máximo, ser tipificada como crime de constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do CP, com pena de detenção de 03 meses a 1 ano ou multa, somada a pena da lesão corporal culposa pelos ferimentos nos lábios, que é de detenção de 2 meses a 1 ano. Se não, simplesmente restaria a sanção, menos agressiva, da esfera cível pelo constrangimento sofrido.

A outra falha identificada no caso foi a de o delegado ter indiciado o acusado pelo crime em sua forma tentada. Ora, se o beijo foi realizado de forma forçada e foi considerado como ato libidinoso, então o delito está consumado e não tentado, pois todos os elementos da definição legal do crime estão presentes.

O crime de estupro, portanto, não exige mais aquela violência da penetração forçada como eram anos atrás, é possível que se consume com um contato diverso, mas não qualquer um, ou um simples contato, assim como não basta que seja forçado. É preciso que seja forçado e dimensionado de acordo com a moralidade média da nossa sociedade, sendo imprescindível, nesse sentido, que se verifique a sexualidade e o dolo na ofensa da dignidade sexual, sob pena de se punir de forma desproporcional e gerar uma insegurança reversa na população, maior que a da impunidade.


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